Por Jonathas Magalhães
Imagine uma criança de cinco anos com as chaves do carro na mão. Ela diz que sabe dirigir. E você acredita.
No começo é engraçado: ela sobe no banco, faz "vrum vrum" e parece que está tudo sob controle enquanto o carro está parado.
Mas e se você deixasse ela ligar o motor de verdade? E se saísse dirigindo com você dentro?
Todos sabemos o que aconteceria. A dúvida não é se vai bater, mas quando.
E a pergunta que sobra é: quem é o culpado pelo acidente? A criança que não sabe dirigir, ou o adulto que entregou as chaves?
O histórico estava lá
Existe um princípio antigo: se tem cara de pato, anda como pato e faz quá-quá, provavelmente é um pato. Não adianta pintar listras e chamar de zebra.
Se alguém tem um histórico de gestões desastrosas, nunca conseguiu tocar nada direito, tudo que assumiu virou problema... por que seria diferente agora?
É como contratar um personal trainer que nunca treinou ninguém, está fora de forma há anos e tem um currículo cheio de academias que fecharam. Mas na política sempre tem quem acredite que dessa vez o pato vai virar águia.
A população tinha acesso ao histórico. Sabia do passado. Mesmo assim, entregou as chaves da cidade.
A diferença cruel entre empresa e cidade
Quando você administra mal uma empresa, ela quebra e você vai embora. Quando você administra mal uma cidade, quem quebra é o povo.
Empresa ruim fecha as portas, demite, o dono some. Dói, mas acaba.
Cidade mal administrada não tem "falência controlada". Não dá para todo mundo pedir demissão e ir embora. O posto de saúde continua sem médico, a escola continua caindo aos pedaços, o asfalto continua esburacado.
E você continua lá, preso, pagando a conta por quatro anos.
É como estar num restaurante ruim: se é seu, você fecha. Mas se você é o prato, não tem para onde correr.
Onde estavam os adultos?
Sociedades maduras não terceirizam responsabilidade. Escolher é só o começo. Fiscalizar, cobrar, participar, isso é trabalho diário de cidadania.
Mas o que aconteceu? A criança pediu as chaves, prometeu dirigir direitinho, e os adultos entregaram. Pior: subiram no banco de trás, fecharam os olhos e fingiram que estava tudo bem.
Democracia não funciona assim. Silêncio também é cumplicidade. Omissão também é decisão.
A ilusão do "vamos dar uma chance"
Você deixaria alguém que nunca dirigiu levar seu filho para a escola? Confiaria seu dinheiro a quem sempre se enrola financeiramente? Deixaria um médico sem experiência operar sua mãe?
Claro que não.
Mas na hora de escolher quem vai cuidar da saúde, da educação e da segurança, aparece o discurso romântico: "vamos acreditar no potencial".
Gestão pública não é reality show. Não é lugar de aprender fazendo, é lugar de quem já sabe fazer.
O povo paga a conta
Enquanto a criança aprende a dirigir batendo o carro, quem está no banco de trás sangrando?
Não é o gestor. Ele sai ileso, com salário garantido, cercado de assessores e longe do caos que criou.
Quem paga é o trabalhador que acorda às cinco da manhã e pega três ônibus. É a mãe que passa a madrugada no posto de saúde esperando consulta para o filho. É o comerciante que vê a cidade afundar e o movimento desaparecer.
É você. Você que mora, vive, paga impostos e não pode simplesmente fechar as portas e ir embora.
A lógica é simples: incompetência administrativa não quebra a instituição, quebra o cidadão.
De quem é a culpa?
Do gestor que aceitou um cargo sem preparo? Sim. De quem votou ignorando os sinais vermelhos? Também. De quem fez campanha vendendo ilusão? Com certeza. De quem ficou em silêncio e normalizou o absurdo? Igualmente.
A culpa é compartilhada. Sempre foi.
Adultos responsáveis não entregam as chaves do carro para crianças. E sociedades maduras não entregam cidades inteiras a quem nunca soube administrar nada.
A meia culpa que ninguém quer assumir
Mas vamos ser justos: nem tudo é tão simples quanto parece.
Tem quem votou com as informações que tinha na época. Informações distorcidas, manipuladas, filtradas por campanhas milionárias desenhadas para enganar. Não dá para colocar no mesmo saco quem foi enganado com quem enganou.
Tem quem tentou alertar e foi chamado de exagerado, pessimista, conspirador. Falou, gritou, mostrou os números, e ninguém quis ouvir. Essa pessoa carrega culpa também?
Tem quem estava ocupado demais sobrevivendo para se aprofundar em análise política. Trabalhando dobrado, cuidando de filho doente, lidando com desemprego. Democracia exige tempo que nem todo mundo tem.
E tem, sim, quem sabia exatamente o que estava fazendo. Quem vendeu a ilusão conscientemente. Quem lucrou com a mentira. Quem usou dinheiro sujo para comprar votos.
Essa não é meia culpa, é culpa inteira.
A verdade desconfortável é que existe uma diferença entre:
Ser enganado (vítima de manipulação)
Ser negligente (não quis se informar tendo condição)
Ser cúmplice (sabia e apoiou mesmo assim)
A culpa não é igual para todos. Mas a consequência é.
E é por isso que, mesmo reconhecendo que alguns foram mais vítimas que vilões, todos nós ainda estamos no mesmo carro batido.
O recado que fica
Se sua cidade está batendo de frente agora, olhe para o espelho e pergunte: eu deixei isso acontecer?
Eu me informei antes de votar? Eu cobrei? Eu questionei? Ou eu só entreguei as chaves e fingi que não era comigo?
Porque no fim, quando você dá as chaves para quem não sabe dirigir, você também está no carro.
E diferente da empresa que quebra e some, a cidade não fecha. Você fica. Seu filho fica. Sua família fica.
Pagando a conta do acidente que você ajudou a causar.
Jonathas Magalhães é publicitário, especialista em comunicação pública há 25 anos e fundador da Pública On. Acredita que política sem proximidade não é política — é administração à distância
** Este texto é de responsabilidade do autor e não reflete, necessariamente, a opinião deste veículo de comunicação