Por Adelmo Pinho
O filósofo, Ludwig Feuerbach, em A Essência do Cristianismo, defende, em síntese, que Deus é uma projeção humana de perfeição. Com tal afirmação, esse pensador propôs o inverso do que prega a religião judaico-cristã, ou seja, que o homem foi quem criou Deus (e Jesus, o Cristo, por consequência), à sua imagem e semelhança.
O Deus misericordioso, bondoso e justo, assim, para Feuerbach, seria a projeção do que o ser humano gostaria de ser: justo, bom etc. Para Sigmund Freud, considerado o “pai” da psicanálise, em várias de suas obras, Deus é uma fantasia infantil do homem que necessita de um “segundo pai” como proteção e do mito de imortalidade.
Nietzsche, no seu ensaio (livro) O Anticristo, questiona todas as religiões, em especial, o cristianismo, contestando a legitimidade de “intermediários” (padres, bispos etc.) ao Divino, afirmando, outrossim, que o único verdadeiro cristão foi Jesus Cristo.
O teólogo e psicanalista, Caio Fábio, numa entrevista, afirmou (Nietzsche também o fez na obra sobredita) que a religião é, por si, um fator desencadeador de “anti-saúde” mental, porque, segundo ele, ela se baseia no controle, na culpa e no medo, que contraria a liberdade, o livre arbítrio, a lucidez e o autoconhecimento.
Com base nessas premissas (chamarei de teses) desses pensadores, pergunta-se: Deus foi quem criou o homem, ou o contrário? O metafísico seria um mito, mera fantasia humana? Ouso tecer algumas considerações sobre tais apontamentos teológicos, filosóficos e religiosos, como antítese.
A ciência hodierna afirma que o universo é infinito, logo, a questão em discussão (físico e metafísico) não se restringe ao ser humano num pequeno planeta nominado de “Terra”. O homem é um ser insignificante, se comparado à grandeza e infinitude do universo.
Para o filósofo Espinoza, Deus é e está no todo; ele é (ou seria) a própria natureza (Panteísmo). Sob essa perspectiva, Deus também seria infinito e criador de tudo o que se conhece, bem como daquilo que ainda não se sabe (a ignorância humana é superior ao conhecimento).
A proposta de um dos pensadores referidos (Feuerbach), no sentido de que Deus seria uma “projeção” do desejo humano, salvo melhor juízo, não se sustenta, quando se percebe a infinitude do universo e a sua harmonia entre os astros e galáxias.
Como se explicar num plano macro, a perfeição e a sintonia do universo? O que o homem contribuiu para isso? Como se explicar num plano micro, a perfeição do funcionamento do organismo humano? Como explicar, ainda, a possibilidade da existência de vida neste planeta?
Para a vida na Terra, segundo a ciência, precisam estar em harmonia mais de cem fatores concomitantes, dentre eles, água líquida potável, temperatura adequada, atmosfera protetora, campo magnético, 21 % de oxigênio, fonte de energia etc.
Tassos Lycurgo, filósofo e professor, explica numa entrevista que a existência da vida na Terra não pode ser obra acaso: são 122 constantes antrópicas. Diz ele que o planeta terra existir por acaso, é matematicamente impossível, segundo o Princípio de Borel (matemático). E ele continua: a causa (origem da vida) é não-espacial, imaterial, atemporal, sobrenatural, poderosa e inteligente, pois organizou tudo isso.
Insisto: como existir a vida, então, com tal complexidade e harmonia, sem um ser inteligente criador? Sob a ótica da física quântica (ciência), somos extensões do universo e estamos todos interligados atomicamente (tudo e todos somos constituídos por átomos).
A conexão atômica de tudo, segundo alguns cientistas, pode ser denominada de “Deus”, a “energia consciente universal”. Albert Einstein chamava a isso de “ordem inteligente”. Logo, a afirmação freudiana de que o metafísico consiste numa fantasia humana revelar-se-ia, em princípio, com o devido respeito, simplista, se comparada com essa realidade universal e da forma como a vida é possível na terra.
Sobre religiões e crenças, parece-me equívoco atribuir a elas “culpa” pelo medo humano, pelo não-pensar etc. Penso que cabe a cada um acreditar ou não em Deus; exercer seu livre-arbítrio; ter a sua vida e a sua liberdade ... A religião, nesse contexto, funciona como instrumento de acesso ao Divino, não uma prisão, cada qual delas, com seus conceitos doutrinários, livros e textos sagrados.
Percebe-se que quando Nietzsche afirma que Jesus foi o “único cristão”, ele, a contrário senso, reafirma a importância de Cristo para a humanidade, além de apontar a distorção pelos homens dos seus ensinamentos (que, por exclusão, não seriam cristãos pelo desvio da doutrina do Cristo).
A pregação de amor incondicional ao próximo (conceito no sentido de com quem convivemos, por isso próximo) por Jesus, a sua ética, o seu acolhimento aos marginalizados pela sociedade de então, tudo isso fez (e faz) dele uma pessoa ou ser singular sob o aspecto histórico, tanto que se dividiu a história, em antes e depois dele.
Agir como Jesus, acreditar nele ou no “seu Deus”, ou mesmo seguir suas ideias e ensinamentos, não pode, portanto, ser considerado “anti-saúde mental”. Ao contrário, fazer o bem ao próximo e agir com ética nos mantêm emocionalmente equilibrados e felizes, salvo para psicopatas.
A existência de fé, por si, também pode ser favorável ao equilíbrio mental, e não uma forma de alienação coletiva (como sustenta Freud). Sob outra perspectiva, ainda, se a tese desses pensadores é a de que a fé, por si, é uma alienação mental, ou mesmo um malefício à mente (anti-saúde), vejo nela (tese) a manifestação formalizada de um “ateísmo intolerante”.
A discussão neste ponto é se a fé, tão somente por ser o que é (crença no Divino), possa consistir num “mal” à saúde mental. Falando um pouco mais sobre Jesus, o Cristo, considerado o “filho de Deus”, em conformidade com a religião judaico-cristã, a sua divindade está alicerçada não só nos fundamentos referidos, mas, também, na realização de milagres relatados na Bíblia, que a ciência não explica, além de sua ressureição.
Jesus era singular, também, na sua forma de oratória e no seu conteúdo, pois falava com as pessoas simples através de parábolas, estrategicamente, para que seus opositores não entendessem tais mensagens.
Jesus, conforme a Bíblia, tratava todas as pessoas da mesma forma, sem distinção de qualquer natureza, o que era inusitado à época, em razão do sistema de castas existente. A pregação de amor ao próximo por Jesus e a sua afirmação (revelação) da existência de um reino metafísico, com um Criador, a quem chamou de “Pai”, deram alicerce à Bíblia e ao cristianismo, com a crença num Deus único, em contraposição ao politeísmo greco-romano da época.
Essa revolução de ideias e de crença, por contrariar não só a fé dos romanos (e gregos), como também os costumes da época, levou Jesus injustamente à morte por crucificação. Jesus foi, enfim, um revolucionário do bem, em todos os sentidos.
Sobre a existência do Jesus “histórico”, até mesmo a arqueologia a reconhece, através de provas; ou seja, Jesus realmente existiu. Existem evidências indiretas disso, como o surgimento de comunidades cristãs antigas, lugares de culto, contexto geográfico etc.
Registro, por fim, que a finalidade da elaboração deste texto (durante uma insônia) foi a de fomentar a reflexão sobre o físico e o metafísico, sem a pretensão de estabelecer “verdades”, estando ele, portanto, sujeito a críticas, complementações e contestações.
*Adelmo Pinho é articulista, cronista e membro da Academia de Letras de Penápolis e da Academia Araçatubense de Letras
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