Opinião

O corte que ameaça a democracia: por que sempre na comunicação?

"O falso discurso da economia"
Lázaro Jr.
22/09/2025 às 19h39

Por Jonathas Magalhães

 

Cortar comunicação para economizar é como demitir médicos para reduzir custos de hospital, ou deixar de comprar remédio para "enxugar" a saúde pública. Parece austeridade, mas na prática é suicídio. Governos que reduzem ou desmantelam estruturas de comunicação cometem exatamente esse erro: sacrificam a ponte que conecta decisões à sociedade, acreditando que a política falará por si. Não fala. Sem comunicação, o que sobra é ruído, desconfiança e caos.

 

É como o pai que para de conversar com os filhos adolescentes para "economizar tempo" e depois não entende por que eles não obedecem, não colaboram e ainda por cima acreditam em qualquer coisa que ouvem na rua. A comunicação não é gasto - é o que evita gastos muito maiores depois.

 

Quando a falha de comunicação cria crises desnecessárias

 

Já parou para pensar que a humanidade não se destrói apenas por falta de comida ou excesso de armas, mas também — e talvez principalmente — por comunicação mal feita? Uma palavra mal colocada já serviu para colocar países em rota de colisão. Uma mensagem truncada pode travar negociações internacionais ou desorganizar políticas sociais.

 

A pergunta que ninguém faz: Quantos programas sociais têm baixa adesão não por falta de interesse, mas por falha na comunicação? O Auxílio Brasil, o FIES, o ProUni - todos tiveram que investir pesado em comunicação depois que descobriram que o público-alvo nem sabia que existiam.

 

A realidade invisível: Quantas vezes você já ouviu alguém dizer "se eu soubesse que existia esse programa..."? A distância entre a criação de uma política pública e o conhecimento do cidadão sobre ela é, muitas vezes, um abismo de comunicação mal feita ou inexistente.

 

A fome, em muitas regiões, não se agrava apenas pela falta de recursos, mas pela ausência de canais claros que expliquem e façam chegar os programas de abastecimento às pessoas que mais precisam.

 

O poder simbólico do discurso

 

Pierre Bourdieu já falava em poder simbólico. Castells mostrou que vivemos em sociedade em rede. Se a rede se rompe, não é só a mensagem que se perde: é a própria coesão social. Mesmo assim, paradoxalmente, a comunicação continua sendo o primeiro corte "simbólico" em muitos governos.

 

Antes da eleição, a promessa fácil: "vou governar pelo celular". Depois da posse, a realidade: sem comunicação estruturada, não há gestão que sobreviva. É como prometer que vai educar os filhos "pelo exemplo" e depois ficar surpreso quando eles não sabem o que você espera deles.

 

Por que sempre a comunicação?

 

Porque cortar comunicação dá narrativa de austeridade. Porque passa a ilusão de eficiência. Porque é mais simples transformar o mensageiro em vilão do que lidar com a complexidade da mensagem.

 

O problema é que essa escolha barata custa caro. Daniel Kahneman explica que nossas decisões rápidas seguem a emoção e a intuição. Se a comunicação pública não fala claro, a sociedade interpreta por boatos. Robert Cialdini lembra que influência sem ética mina a confiança — e confiança é capital político.

 

É a mesma lógica do empresário que corta o atendimento ao cliente para reduzir custos e depois não entende por que as vendas despencaram e as reclamações explodiram. A conta sempre chega, e sempre mais cara.

 

Comunicação é infraestrutura democrática

 

O resultado é previsível: crises desnecessárias, políticas mal compreendidas, espaço aberto para desinformação. E aqui está a provocação maior: comunicação pública não é marketing, não é enfeite. É infraestrutura democrática, tão essencial quanto energia elétrica ou rede de saneamento. Cortá-la é amputar o Estado; fazê-la mal é entregar munição para o colapso social.

 

A pergunta que não quer calar: Se você não consegue explicar para a sociedade o que está fazendo, por que está fazendo? E se consegue explicar mas escolhe não fazer, está mesmo governando ou apenas ocupando um cargo?

 

O desafio para gestores públicos

 

Se governar é comunicar, cortar comunicação é negar o próprio governo. E a democracia não resiste ao silêncio.

 

Para gestores que estão lendo isso: da próxima vez que alguém sugerir "economizar" cortando comunicação, pergunte quanto vai custar explicar para a população por que o programa não funcionou, por que houve resistência à política pública, por que a aprovação despencou.

 

A comunicação que você não faz hoje é a crise que você vai gerenciar amanhã. E crise sempre custa mais caro que prevenção.

 

Investir em comunicação pública não é gasto - é seguro contra o caos. E no final das contas, é isso que separa gestão de mera ocupação de cargo.

 

Jonathas Magalhães é publicitário, especialista em comunicação pública há 25 anos e fundador da Pública On. Acredita que política sem proximidade não é política — é administração à distância.

 

** Este texto é de responsabilidade do autor e não reflete, necessariamente, a opinião deste veículo de comunicação.

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