Opinião

O artista araçatubense e do interior só pode falar sobre a vida caipira?

"Para sobreviver de arte e cultura, é preciso vender o que se produz"
Da Redação
09/07/2025 às 11h37
Foto: Divulgação Foto: Divulgação

Por Pedro Böor

 

Já faz alguns anos que eu, enquanto artista que decidiu viver, trabalhar e pensar arte no extremo noroeste paulista, carrego esse questionamento que, volta e meia, me rouba o sono. Criar produtos artísticos hoje está fortemente atrelado à venda desses produtos, basta observar como os conceitos de “economia criativa” e “indústrias criativas” têm sido difundidos e adotados como o futuro do empreendedor cultural. 

 

Para sobreviver de arte e cultura, é preciso vender o que se produz. Esse conceito não é, por si só, abominável, na verdade, foi a partir dele que se deu uma grande profissionalização artística nos últimos anos, transformando o artista em agente cultural. Essa profissionalização, inclusive, foi extremamente importante para que artistas (ou agentes culturais) do interior pudessem entrar no jogo, buscar incentivos públicos e privados e estar no páreo com artistas da capital. 

 

Porém, ao nos submetermos à lógica mercadológica da cultura, precisamos, além de buscar essa profissionalização, interromper o processo criativo para responder à pergunta que atravessa a criação: “O que querem comprar?” É aí que entra a pergunta do início. Neste ponto, a criação artística muitas vezes é paralisada, ou mesmo substituída, por um cabo de guerra: de um lado, a força da criatividade, da pesquisa, do amadurecimento artístico de cada um; do outro, uma caixa apertada, dez vezes menor que nossas possibilidades criativas, onde mora apenas essa pergunta: “o que vai vender?”

 

A resposta não é simples. Ela exige pesquisa aprofundada de programações de polos culturais, estudo de editais públicos passados e seus projetos aprovados, análise de políticas nacionais de incentivo à cultura, entre outros métodos para compreender o funcionamento do mercado cultural. Esse cenário nos apresenta dois caminhos: o artista da capital e o artista do interior. Ao artista da capital é reservado o direito de contribuir para a construção da arte contemporânea brasileira, sua criatividade é valorizada, vista como vanguarda. Ao artista do interior, resta falar da sua pacata vida caipira. 

 

Portanto, se olharmos para o mercado (para o público, instituições culturais, entre outros), sim, ao artista araçatubense ou do interior paulista resta um único tema a ser explorado, caso queira ter seu trabalho valorizado, circulando em grandes instituições culturais, com espaço nos festivais de arte: a vida caipira. E pouco importa como esse personagem foi construído. Não interessa se ele surgiu a partir de um projeto de país baseado no extermínio da população indígena, na escravização da população negra, na grilagem de terras, no desmatamento da floresta nativa para criação de pastos, na poluição dos rios e seus afluentes. Nada disso importa. 

 

Para muitos, os primeiros habitantes do interior paulista foram os personagens caipiras, com suas “tradições” e “costumes”, sempre justificados por um estilo de vida pacato, inofensivo, que jamais faria mal a ninguém. E se você, artista do interior, quiser ser reconhecido em seu município ou região, fale sobre esse tema. Na verdade, só resta a você esse tema.

 

Mas mesmo quando o artista do interior ousa falar de outras coisas, que o coloquem na igualdade com o artista da capital, pense sobre as manifestações artísticas contemporâneas e se reinvente, o mercado cultural continua pouco interessado. A questão, portanto, já não está apenas no artista e em sua coragem de romper. Está no público, que só reconhece valor e beleza no que reafirma uma imagem romantizada do caipira; nas instituições locais, que ainda esperam do artista interiorano uma repetição folclórica de si mesmo; e nas políticas culturais, que reforçam esse recorte como única identidade possível. Enquanto não houver espaço real para múltiplas vozes, o interior seguirá sendo ouvido apenas quando fala com sotaque de fazenda, viola e saudade.

 

Pedro Böor - Graduando em Direito, ator e produtor cultural

 

** Este texto é de responsabilidade do autor e não reflete, necessariamente, a opinião deste veículo de comunicação

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