Opinião

Infantilizar a infância

"Somos nós, adultos, que decidimos — com nossas ações ou omissões — se essa etapa será vivida com tudo o que ela tem de belo, intenso e desafiador, ou se será atropelada pelas urgências do mundo adulto"
Da Redação
27/08/2025 às 15h17
Foto: Divulgação Foto: Divulgação

Por Graciela Aparecida Franco Ortiz

 

Em tempos de adultização precoce, é urgente devolver às crianças o direito de viver plenamente sua infância — com afeto, liberdade e tempo para crescer.

 

É necessário infantilizar nossas crianças e adolescentes. É necessário devolver a eles o que lhes é de direito: a infância.

 

Mas afinal, o que significa isso?

 

Podemos explorar essa ideia de muitas formas. Aqui, me atenho a pensar que essa fase é a mais importante do desenvolvimento humano.

 

Infantilizar a infância é oferecer o ambiente adequado para que o desenvolvimento aconteça sem a pressa das expectativas adultas.

 

Parece simples, mas é justamente aí que mora o problema: a infância não cabe nessas expectativas.

 

A infância é lugar de fragilidade. E não porque seja menos importante — pelo contrário.

 

Ela é frágil porque depende do cuidado dos adultos.

 

É uma fase que não se sustenta sozinha: precisa ser protegida, nutrida, respeitada.

 

Somos nós, adultos, que decidimos — com nossas ações ou omissões — se essa etapa será vivida com tudo o que ela tem de belo, intenso e desafiador, ou se será atropelada pelas urgências do mundo adulto.

 

Historicamente, a infância, ou a atenção a esta tem sido mais marcada por cobranças e limitações do que por acolhimento; quase que numa busca incessante por manuais que moldem as crianças e adolescentes à imagem e semelhança dos adultos.

 

O mundo infantil não precisa de manuais, precisa de contexto.

 

E esse contexto é construído por nós, todos os dias, nos detalhes: no tom de voz, na rotina, nas escolhas, nos espaços que oferecemos ou negamos.

 

A infância tem sido comprimida por expectativas que não lhe pertencem, por metas que não respeitam seu tempo, por uma lógica de desempenho que ignora o brincar, o sentir, o experimentar.

 

Apressamos o tempo: Não esperamos o nascimento em seu compasso. Somos cobradas a deixar o bebê no chão, sem colo.

 

Cobramos que bebês durmam sozinhos e a noite inteira (como se alguém realmente dormisse a noite inteira).

 

Queremos crianças sentadas, imóveis, quando o corpo pede movimento.

 

Desejamos leitura e escrita antes mesmo da criança aprender a amarrar os cadarços.

 

Cobramos performance quando o que deveriam estar aprendendo é a reconhecer a si e aos outros.

 

Emparedamos seus sonhos, moldamos sua criatividade, limitamos seus espaços.

 

E não cuidamos das mães — não oferecemos colo à gestante, apoio à que amamenta, nem descanso à que vigia noites maldormidas por causa do filho.

 

Mãe é contexto.

 

Casa é contexto.

 

Rua, escola, pracinha também.

 

A natureza, esta sim, é o meio que melhor ensina: permite experimentar, arriscar, crescer.

 

Façamos o exercício de olhar ao redor:

 

Em que ambientes nossas crianças e adolescentes estão se desenvolvendo?

 

A resposta costuma ser dura.

 

Infância não é corrida.

 

Não é espetáculo.

 

É caminho.

 

E quando respeitada, floresce.

 

Falta infantilizar a infância — porque de adultizá-la, fazemos todos os dias.

 

Graciela Aparecida Franco Ortiz é assistente social, pedagoga e educadora parental, com atuação voltada à proteção da infância e juventude. Apaixonada por temas que envolvem cuidado, desenvolvimento humano e justiça social, escreve para provocar reflexões sobre o papel dos adultos na construção de contextos mais acolhedores para crianças e adolescentes.

 

** Este texto é de responsabilidade do autor e não reflete, necessariamente, a opinião deste veículo de comunicação

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