Por Pedro Böor
Entender de legislação é quase que primordial para produzir cultura, seja na capital ou no interior. As leis que abordam assuntos de interesse da classe cultural estão presentes no nosso cotidiano. Seja desde a Lei Nacional de Incentivo a Cultura (popularmente conhecida como Lei Rouanet), até a legislação que rege o Fundo Municipal de Apoio à Cultura (que em Araçatuba acabou de passar por um processo de revisão).
Mas, a partir da onde precisamos nos atentar além das leis diretamente direcionadas ao fomento cultural para ficar em alerta com as outras, corriqueiras do cotidiano de Câmaras Municipais e Assembleias Legislativas?
Em Araçatuba, somente no segundo semestre de 2025, tivemos dois projetos de lei na Câmara Municipal que previam a proibição de contratação pela administração pública de certas ações artísticas. Algumas das proibições mencionadas eram a: artistas, shows, eventos, músicas, danças, coreografia, performance, encenação.
A partir do momento que o trabalho artístico entra em pauta de proibição pela Câmara Municipal, acredito que nós, produtores culturais, artistas e setor cultural como um todo, devemos ao menos voltar nossos olhos.
E deixo mais alguns questionamentos: quais foram os artistas e agentes culturais que foram consultados para a elaboração desses projetos? Quais foram as oitivas realizadas com o setor que será afetado pelos projetos de lei? Qual consulta com o Conselho Municipal de Políticas Culturais foi solicitada? Eu posso responder essa última pergunta com certeza, não houve.
É importante salientar que os projetos de leis abordavam temas relevantes enquanto sociedade sim: adultização e sexualização infantil, crime organizado, tráfico de drogas. Porém, no meio da proibição dessas ações existem termos generalistas que abrem brecha para uma interpretação ampla do que esta proposto de ser proibido, como:
“comportamentos que contrariem os princípios da dignidade humana, da educação, da infância protegida e da cidadania.”
“expressões corporais, vestimentas, músicas ou danças de conotação sexual, direta ou indiretamente.”
“qualquer material, música, coreografia, performance ou linguagem que exponha crianças a temas de sexualidade adulta, erotização, violência ou linguagem obscena.”
À primeira vista, o que está dito acima pode não soar problemático, mas vamos nos aprofundar na ambiguidade que essas legislações perpassam. O que é um comportamento que contrarie o princípio da dignidade humana? O que é uma expressão corporal, música ou dança que tenha indiretamente conotação sexual? Como ter controle de qualquer material?
Outro ponto importante é quem irá dizer o que é ou o que não é, o que significa uma dança ou música que tenha uma conotação sexual indireta, quem irá afirmar que essa conotação é direta ou indireta. Em nenhum momento os artistas, trabalhadores da cultura, agentes culturais, são citados para compreender essas interpretações. O poder de decidir muitas vezes recairá novamente nas mãos daqueles que nada conhecem de expressão artística e cultural.
Ambos projetos de leis tiveram parecer negativo do jurídico da Câmara Municipal e foram declarados inconstitucionais, porém ainda podem seguir adiante. São considerados inconstitucionais porque, além de tudo, ferem o principio básico dos Três Poderes e do devido processo legal. Apologia ao crime organizado é crime tipificado no art. 287 do Código Penal, e o poder de julgar o que é crime ou não é do Judiciário, não do Legislativo.
Mesmo com os projetos tendo baixa chances de aprovação por esses erros grotescos, é importante que nós, classe artística, nos mantenhamos em alerta. As brechas que surgem nas leis que tem como defesa temas importantes, podem afetar trabalhos artísticos que não condizem com que está no foco da proibição pela ambiguidade da legislação e principalmente por quem irá dizer o que é ou não é algo.
Pedro Böor - Graduando em Direito, ator e produtor cultural
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