Por Jean Oliveira
Vivemos num tempo em que tudo parece exigir positividade o tempo todo. A felicidade virou quase uma obrigação, como se sentir tristeza fosse sinal de fracasso. Mas será que é assim mesmo que se constrói uma vida melhor?
O filósofo francês Luc Ferry provoca: a forma mais lúcida de enxergar a vida é pela via da tragédia. Isso não tem nada a ver com drama ou pessimismo. Ao contrário. Enxergar a vida como trágica é reconhecer, com maturidade, que somos finitos, que sofremos perdas, que nem tudo se resolve no final — e que justamente por isso, a vida ganha profundidade.
Ferry critica tanto o otimismo vazio quanto o pessimismo paralisante. O otimista ignora o real, vive de negações. O pessimista se entrega antes mesmo da luta. Já a visão trágica — essa sim, adulta — acolhe a dor, sem deixar de seguir em frente. Assume que viver é arriscar, amar é se expor, e crescer é enfrentar o incômodo.
Essa perspectiva tem muito a dizer à saúde mental. Muitas vezes, o sofrimento das pessoas não vem só do que aconteceu, mas do peso de achar que não deveriam estar sofrendo. Como se a tristeza fosse um erro, e não parte da vida. Uma visão trágica da existência, ao contrário, normaliza o sofrimento sem banalizá-lo. Reconhece sua presença, mas não se rende a ela.
Luc Ferry aponta que os gregos antigos não acreditavam em promessas de salvação eterna nem em finais felizes garantidos. Para eles, a grandeza da vida estava justamente na coragem de viver bem apesar de tudo. “Ser livre é amar o que não escolhemos”, ele diz — como quem entende que boa parte do que nos acontece está fora do nosso controle, mas a maneira como reagimos, essa sim, é nossa responsabilidade.
Quantas vezes você já viu alguém fingindo estar bem só para não incomodar os outros? Ou escutou um “vai passar” quando o que você precisava era apenas ser ouvido? Em vez de acelerar a dor, talvez o mais humano seja andar ao lado dela, dar nome às feridas e aprender a cuidar do que não tem conserto, mas ainda tem valor. Como aquelas cicatrizes que não somem, mas nos lembram de onde viemos e do que sobrevivemos.
Ter uma vida melhor, então, talvez não seja fugir da dor, mas reconhecer que ela faz parte do caminho. E que mesmo em meio a ela, é possível cultivar vínculos, encontrar sentido, rir, aprender e até recomeçar.
O trágico não é o fim da esperança. É o começo da lucidez.
E da lucidez pode nascer uma vida mais leve — não porque seja fácil, mas porque é real.
Jean Oliveira é jornalista, turismólogo e acadêmico de Psicologia
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