Por Cassio Betine
Em tempos de avanço tecnológico acelerado, a inteligência artificial deixou de ser apenas uma ferramenta de apoio e passou a ocupar um espaço quase sagrado na vida de muitos. Chatbots como o ChatGPT, originalmente criados para auxiliar em tarefas cotidianas, responder dúvidas e fomentar criatividade, vêm sendo usados por alguns como oráculos modernos — fontes absolutas de verdade, mesmo quando o assunto exige conhecimento técnico, sensibilidade humana ou responsabilidade profissional. E essa confiança desmedida começa a cobrar seu preço.
No Brasil, um caso recente ilustra com gravidade esse fenômeno. Um homem de 60 anos foi hospitalizado com sintomas graves de intoxicação após seguir uma orientação obtida por meio do ChatGPT (você deve ter visto por aí, viralizou como o caso da “adultização” de crianças). O sujeito substituiu o sal de cozinha por brometo de sódio em suas refeições, acreditando que seria uma alternativa saudável.
O resultado foi um quadro clínico de bromismo — uma intoxição no organismo — que o levou a alucinações, paranoia e internação psiquiátrica por três semanas. Embora o chatbot não tenha explicitamente recomendado o consumo da substância, a ausência de filtros e alertas claros contribuiu para a tragédia.
O pior é que esse tipo de episódio não é isolado. Casos de surtos psicóticos, delírios messiânicos e até mortes já foram registrados em diferentes partes do mundo, todos ligados ao uso intenso e sem supervisão de inteligências artificiais. Na verdade, o que está em jogo não é apenas a capacidade da IA de fornecer respostas, mas a disposição das pessoas em aceitá-las sem questionamento, sem pesquisa, sem senso crítico. A responsabilidade, portanto, não recai sobre a tecnologia em si, mas sobre a cultura de dependência e passividade que se instala quando o indivíduo abdica da própria autonomia intelectual.
É preciso entender que a IA não é médica, não é terapeuta, não é especialista. Ela é uma ferramenta — poderosa, sim, mas de suporte, de apoio. Quando alguém decide se automedicar, alterar sua dieta ou tomar decisões de vida com base em uma resposta automatizada, o problema não está no algoritmo, mas na ausência de discernimento. A falta de cultura científica, o desprezo pela consulta a profissionais qualificados e a ilusão de que “a máquina sabe tudo” revelam uma fragilidade preocupante na formação do cidadão contemporâneo. Daí, quanto mais pobre culturalmente uma nação, maior a probabilidade de ocorrências desse tipo.
E para complicar ainda mais a situação, esse cenário tem sido usado como justificativa por políticos brasileiros para propor regulações mais rígidas sobre o uso da internet e das redes sociais. A ideia de que a IA pode ser perigosa, manipuladora ou causadora de danos reais alimenta discursos que defendem o controle estatal sobre plataformas digitais. Portanto, há grande risco de que esse movimento se transforme em censura disfarçada, restringindo o acesso à informação sob o pretexto de proteção. É preciso ficar atento a isso.
A tecnologia não é inimiga, assim como qualquer outra que utilizamos — um simples pé de cabra é um instrumento tecnológico que potencializa a força de uma pessoa, mas pode ser usado para fazer o mal. O verdadeiro problema então está na forma como a sociedade se relaciona com as tecnologias. A educação digital, o incentivo à pesquisa, o fortalecimento da ciência e o respeito aos especialistas podem ser pilares dessa nova era. Não se trata de demonizar a IA, mas de reconhecer que ela não substitui o bom senso, o conhecimento técnico e, principalmente, a responsabilidade individual.
Em última instância, confiar cegamente em uma inteligência artificial é como entregar o volante a um copiloto que você acabou de conhecer. Ele pode ajudar, orientar, sugerir caminhos — mas jamais deve ser o único responsável pela rota que você deseja seguir. O ser humano precisa voltar a assumir o protagonismo de suas escolhas, com cultura, opinião própria e consciência crítica. Porque, no fim das contas, a tecnologia é apenas reflexo do que somos. E se não soubermos usá-la com sabedoria, ela apenas amplificará nossos erros.
Cassio Betine: Pós-graduado em Tecnologias da Aprendizagem, Bacharel em Artes e Desenho Industrial. Coordenador e Mentor de Negócios e Eventos. Autor de livros, artigos e produtor de conteúdos diários sobre Tecnologia, Inovação e Comportamento. É empreendedor em outros negócios e fundador da F7Digitall.com – Tecnologia & Comunicação.
**Este texto é de responsabilidade do autor e não reflete, necessariamente, a opinião deste veículo de comunicação