Por Graciela Franco
Mesmo com avanços na legislação, meninas ainda enfrentam os mesmos riscos que suas mães e avós — agora agravados pela cultura digital e pela naturalização do machismo entre jovens.
Como principal legislação de proteção de crianças e adolescentes, é comum que, por ocasião do aniversário do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), muitas reflexões, críticas e comemorações marquem o mês de julho. Para não ficar de fora, me proponho hoje a refletir sobre uma questão que considero urgente: a naturalização do machismo entre adolescentes e jovens.
Confesso que fiquei assustada com dados publicados recentemente que apontam que, pela primeira vez na História, o machismo é mais presente entre os meninos jovens. Talvez meu susto venha do fato de eu ter acreditado que minha geração (40+) estivesse fazendo um bom trabalho na criação e educação dos filhos.
Sei bem que nossos jovens são a ‘geração da internet’ e o quanto isso influencia na forma de pensar e organizar dessa garotada. Infelizmente, as vozes que mais ecoam no mundo virtual frequentemente disseminam conteúdos de misoginia e ódio às mulheres. No entanto, não dá para colocar tudo na conta da internet. Essa responsabilidade é nossa — como pais, mães, educadores, sociedade e Estado.
Digo isso porque, ao falarmos de internet, redes sociais e agora de inteligência artificial, não estamos nos referindo a entidades sobrenaturais ou independentes da humanidade. São criações humanas, geridas por pessoas, que, no caso de crianças e adolescentes, só tem acesso porque nós, adultos, permitimos.
Penso eu então que seja hora de reassumirmos as rédeas.
E o que isso significa? Vamos por partes. Identificar que uma parcela maior de jovens, em comparação com outras faixas etarias, acredita que homens são superiores às mulheres significa reconhecer que o mundo — virtual e fora dele — continua perigoso para meninas e mulheres; e que apesar dos avanços nas leis, nossa vida (das mulheres) em todos os espaços (em casa, no trabalho, na escola ou na internet) continua sendo atravessada por desafios e riscos.
Saber que a internet, principalmente as redes sociais, facilita a propagação de discursos misóginos e sexistas, com velocidade e força nunca antes pensadas, nos mostra que esse espaço não é seguro nem protetivo para nossos filhos e filhas.
Isso deve nos levar, e aqui como uma exigência — não uma sugestão —, a agir. Fazer algo, ou muitas coisas, para reverter essa realidade e garantir que meninos e meninas sejam protegidos, como sujeitos de direitos e em desenvolvimento que são.
Esse “fazer algo” passa tanto pelo âmbito privado quanto pelo público, e está diretamente relacionado à nossa função como adultos nesses dois campos. Significa, por exemplo, adiar, sempre que possível, o acesso de crianças e adolescentes à internet sem supervisão, e às redes sociais; mas também dialogar com nossos meninos e meninas sobre o que veem online, o que pensam e como se sentem em relação ao mundo ao redor.
Significa não legitimar, com nosso silêncio ou com risadas, o que eles consomem. Requer — especialmente, para os homens que me leem — que parem de compartilhar aquela figurinha ou vídeo que expõe mulheres a situações de violência ou humilhação. E assumir um compromisso coletivo: o de não violentar nenhuma mulher, em nenhuma esfera e de nenhuma forma.
Assumir uma nova forma de masculinidade — reconstruir o lugar social do homem a partir de referências que fujam dos estereótipos de gênero e do sexismo cotidiano — é um caminho necessário, então precisamos falar sobre isso com nossos meninos.
No âmbito público, significa exigir a regulação das redes sociais, a ampliação dos canais de denúncia de conteúdos misóginos, e violentos. Tornar também imperativa a luta pela inclusão de debates sobre machismo, sexismo e estereótipos de gênero nas escolas e em outras instituições. É preciso ainda formar os profissionais para que estejam preparados para abordar essas questões com seriedade e sensibilidade nos mais diversos espaços.
Passa por fomentar espaços de escuta e debate entre crianças, adolescentes e jovens sobre esses temas, de forma aberta, transparente e democratica.
Para que tudo ou alguma dessas coisas aconteça, precisamos estar dispostos a encarar o problema, e aqui fica minha dúvida agora; dúvida de mulher que é mãe de uma menina: o quanto a sociedade está realmente disposta a tomar as rédeas e encarar o problema que criou.
Graciela Franco
Mulher, mãe de menina, pedagoga, assistente social e educadora parental
@gracielafranco_mater
** Este texto é de responsabilidade do autor e não reflete, necessariamente, a opinião deste veículo de comunicação