Opinião

Nós, advogados criminalistas

"Ninguém nos disse nas aulas de Processo Penal como atender o primeiro flagrante e como olhar no rosto de uma pessoa que deposita em você a esperança da liberdade"
Da Redação
10/08/2024 às 11h36

Por José Márcio Mantello

 

11 de agosto: Dia do Advogado(a)

 

Enfrentar o novo sempre traz um certo receio, seja ele qual for: uma nova escola, uma nova cidade, um novo trabalho, uma nova profissão, uma nova vida, etc.

 

Sim, no momento em que escolhemos ser advogados, optamos por mudar a nossa vida. Muda-se a nossa cosmovisão, a forma como enxergamos as pessoas, a escala de valores e de prioridades.

 

A minha escolha para se tornar advogado se deu num momento muito crítico da minha vida, uma verdadeira encruzilhada. Mas, não foi apenas escolher a advocacia, fui além, escolhi ser advogado criminalista , o que é ainda mais difícil em tempos sombrios como os de hoje, em tempos de perda de referências positivas na sociedade, de insegurança jurídica, de “justiceiros midiáticos” e “salvadores da pátria”.

 

Com todo respeito a todos os outros ramos do direito e aos colegas que atuam em causas cíveis, trabalhistas, empresariais, etc, (e que igualmente merecem as homenagens desse dia especial); nós, criminalistas, somos obrigados a pensar, agir e fazer advocacia de uma forma diferente.

 

Diferente, porque a forma de agir no momento em que nos deparamos com um cliente preso e com sua família desnorteada, com uma mãe desesperada do outro lado da ligação, não nos foi ensinada nos manuais, nos códigos, tampouco nas aulas da faculdade.

 

Ninguém nos disse nas aulas de Processo Penal como atender o primeiro flagrante e como olhar no rosto de uma pessoa que deposita em você a esperança da liberdade.

 

Ninguém nos disse na aula de Teoria da Pena como olhar para um pai e explicar o motivo por que seu filho foi condenado por um crime e agora terá que cumprir uma pena em regime fechado, com apenas algumas horas de sol diárias.

 

Ninguém nos disse na aula de Direito Constitucional que a presunção da inocência (ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado) só vale até a foto do nosso cliente sair no jornal e ser exposto para toda a sua comunidade, sem direito ao contraditório. Na verdade, hoje a presunção (diria a certeza) é da culpabilidade, ou seja, o cliente é culpado até que se “prove” o contrário.

 

Ninguém nos ensinou, mas nós aprendemos, tivemos que aprender.

 

Não se leva muito tempo pra aprender que a advocacia criminal nos faz ser mais frios e ao mesmo tempo sensíveis. Frios, no momento de pensar com a técnica de um jogador; sensíveis, na hora de sentar com uma família daquele que não tem mais ninguém ao seu lado, a não ser nós, criminalistas.

 

Sábios e jusfilósofos já disseram que advocacia não foi feita para covardes, principalmente a advocacia criminal. Coragem para lidar com pessoas que ultrapassam o limite da lei, num evidente caso de abuso de autoridade? Não!

 

Coragem para ser o último estribo daquele que já não tem mais ninguém. A jornada do advogado criminalista é cheia de frios na barriga, de sentimentos de impotência, a sensação de ser um eterno pedinte, mas também, de pequenos momentos indescritíveis, pequenos momentos que tornam essa caminhada tão apaixonante. Nenhum honorário nos traz maior prazer, êxtase, do que conseguir a absolvição, um alvará de soltura ou a reparação de uma injustiça.

 

O frio na barriga é o que nos “mantêm vivos”; quando não o sentir mais, abandone, troque, vá fazer outra coisa! Esse frio na barriga se sente nos minutos que antecedem uma audiência, naquele momento em que se ouve em plenário: “Com a palavra, a Defesa”.

 

Esse frio na barriga é resultado da responsabilidade por saber que somos a única voz daquela pessoa que se encontra entre a vida e o cárcere, sim, porque cárcere não é vida!

 

A sensação de impotência se dá quando, diante de certas ilegalidades, a toga fala mais forte que o direito. Quando a caneta é mais pesada que o ser humano, quando o julgador, se torna acusador e quando a nossa voz é simplesmente ignorada. Essa impotência é substituída por coragem para ignorar cargos, títulos e autoritarismo. Coragem para resistir à tentação e nos mantermos fiéis à ética, conhecimento e técnica. Jamais vou acreditar ou praticar a advocacia da baixaria, dos atalhos, dos berros para “mostrar serviço” .

 

Mas os pequenos momentos indescritíveis , citados acima, esses sim. Esses são os detalhes que fazem tudo valer a pena. O olhar de agradecimento, o sentimento de dever cumprido, o abraço de um familiar e o travesseiro leve (da consciência limpa que fizemos tudo que estava ao nosso alcance), fazem cada minuto da peleja valer a pena. O êxito, o bom resultado, em qualquer área da advocacia faz brilhar os olhos, mas, sou obrigado a dizer que a expedição de um alvará de soltura faz brilhar mais que os olhos, faz brilhar a alma, faz a nossa caminhada ter sentido .

 

Aquele que já entrou num estabelecimento prisional e viu um pai de família ou um filho caçula daquela família no meio do caos em que se tornou o sistema carcerário vai entender o que quero dizer aqui.

 

Gosto de pensar que nossa jornada é mais uma missão do que um trabalho. O trabalho é aquele que se faz sempre com olhos ao proveito econômico, e não estou dizendo que seja este dispensável, muito pelo contrário. Todavia, a missão se faz buscando algo maior, buscando a realização, um objetivo muito além do material.

 

Encerro essa singela homenagem afirmando: Ninguém vai vencer sem lutar, ninguém vai crescer sem persistir; nada substitui o conhecimento, o preparo e a coragem. Lembra daquela decisão que tive que tomar no momento mais difícil da minha vida? Hoje, independente dos desafios e das adversidades, eu tenho mais certeza de que fiz a escolha certa. A minha homenagem a TODOS os Advogados, mas, em especial, àqueles que MUITOS não gostam, até precisarem de um: aos Advogados Criminalistas .

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