Opinião

A burocracia e o amor

"Já escreveu o poeta que ninguém brinca com o amor, chega muito perto, sem se queimar"
Da Redação
24/01/2024 às 16h13

Por Hélio Consolaro*

 

O cronista tem enganos, se ilude, erra. Pensa sempre que seja o primeiro a abordar tal tema. A burocracia e o amor, aquela sempre impedindo o avanço deste é assunto surrado, cantado e narrado por quase todos os escritores, artistas em geral. Aliás, qual artista que gosta de burocracia?

 

Para manter certa transparência com o leitor, também tenho a mesma ilusão. Porei o sistema em má situação, este insensível substantivo concreto.

 

Senhor Y (não usarei nome, não pretendo permitir insinuações) sempre racional, se apaixonou e começou a ver o mundo de forma diferente. Começou a bater com a cara nas portas, fechadas, claro.

 

Já escreveu o poeta que ninguém brinca com o amor, chega muito perto, sem se queimar. E ele não foi diferente.

 

Senhor Y queria mandar flores para a amada, não para a casa dela, mas ao local de trabalho para que todos os colegas testemunhassem o tamanho de seu amor. Mas não era apenas um buquê. Exagerado como o cantor e compositor Cazuza, queria despejar um caminhão cheio delas no escritório.

 

A senhora M (não existe letra mais feminina), quase aos prantos, com tanta emoção, respondeu que realizar abundante declaração de amor era proibido, de acordo com o regulamento. Ela seria demitida.

 

- Não pode ser um buquê? - perguntou Senhora M.

 

O patrão passou, viu as lágrimas da secretária, não entendeu nada, continuou passando comandos.

 

Um homem do sistema é insensível a picuinhas.

 

- Mas eu te amo, querida! Tão grande meu amor que não cabe num buquê, precisa ser num caminhão - respondeu o Senhor Y no zap.

 

Choro. Senhora M não sabia o que fazer, não podia perder tal declaração de amor. Ia ser notícia na cidade, estaria nas redes sociais. Ser tão amada assim sempre foi o seu desejo.

 

Senhora M foi e voltou à entrada do escritório várias vezes para ver se o caminhão estava chegando.

 

Senhor Y fez cotação de preço em todas as floriculturas, nem havia tanto estoque para encher um caminhão. A sua promessa foi exagerada. Não desistiu.

 

Foi ao Google, pesquisou imagens "caminhões de flores", escolheu a melhor, mas todas cobravam direitos autorais. E ele duro.

 

Então improvisou uma foto com caminhão de flores no celular e mandou pelo zap com os seguintes dizeres: "Eis seu caminhão de flores".

 

Senhora M chorou o resto do dia; Senhor Y morreu de vergonha, perdeu a namorada. O amor tem dessas coisas, nem tudo é possível, a burocracia quase sempre vence. Morar debaixo de uma árvore, só por pouco tempo.

 

*Hélio Consolaro é professor, jornalista e escritor. Membro das academias de letras de Araçatuba-SP, Andradina-SP, Penápolis-SP e Itaperuna-RJ.

 

** Este texto é de responsabilidade do autor e não reflete, necessariamente, a opinião deste veículo de comunicação

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