Uma médica veterinária de Araçatuba (SP) foi condenada a 3 anos e 8 meses de prisão, acusada de auxiliar o marido dela, uma agropecuarista, a aplicar um golpe que causou prejuízo de mais de R$ 1,3 milhão a um banco, referente a crédito rural obtido mediante apresentação de documentos falsos.
A sentença já é em segunda instância, pois o TJ-SP (Tribunal de Justiça de São Paulo) acatou recurso do Ministério Público, pedindo a ampliação da pena. A prisão inicial no regime aberto foi substituída pelo pagamento de multa no valor referente a 50 salários mínimos, que corresponde a R$ 75.900,00.
Segundo a denúncia do Ministério Público, os crimes ocorreram em setembro de 2015. O processo foi desmembrado com relação ao marido dela, que não havia sido citado por não ter sido localizado, por isso, ainda não há sentença com relação a ele.
Falsidade ideológica
De acordo com a denúncia, para obter crédito rural com um banco da cidade, os réus teriam utilizados dados da mulher que trabalhou como empregada doméstica na residência do residência do casal, entre 2010 e 2011 e entre 2014 e 2017, e também do filho dela.
Para tanto, o casal teriam ido à agência na rua Marcílio Dias, apresentando dados falsos referentes à profissão, renda mensal, bens e endereços, e aberto uma conta-corrente em nome ex-empregada e uma conta poupança em nome do filho dela.
Ainda segundo a denúncia, ao apresentar às vítimas os contratos referentes à abertura das contas, eles pediram que assinassem, alegando que estavam negociando um imóvel e precisavam que assinassem como testemunha.
Estelionato
De posse dos documentos assinados, eles obtiveram crédito rural no valor de R$ 569.425,17 e contrataram um crédito pessoal no valor de R$ 137.000,00 em nome do filho da então empregada doméstica.
Já em nome da empregada doméstica foi obtido outro crédito rural de R$ 534.879,65 e um crédito pessoal de 123.000,00, nos dois casos, apresentando os documentos com informações falsas relacionadas à renda das vítimas.
Ainda de acordo com a denúncia, aproveitando-se da simplicidade das vítimas e do poder hierárquico que possuía sobre elas, o casal pediu que assinassem os respectivos contratos de obtenção dos créditos, como se fossem testemunhas na negociação de um imóvel pelo casal.
Transferência
Consta na denúncia que os valores referentes ao crédito rural foram debitados em 25 de setembro de 2015 nas contas abertas pelo casal em nome da empregada e do filho dela. Já entre os dias 28 e 29, foram depositados os valores referentes aos créditos pessoais concedidos aos dois.
Também em 29 de setembro, R$ 140.000,00 foram transferidos da conta aberta em nome do filho da empregada do casal para uma conta em nome do agropecuarista e foi feita outra transferência de R$ 139.000,00 da conta da empregada para uma conta em nome dele.
Como não houve o pagamento referente às cédulas de crédito rural obtidas, o banco ajuizou as respectivas ações de execução extrajudicial e foi constatado que a instituição havia sido vítima dos golpes de falsidade ideológica e estelionato, causando prejuízo de R$ 1.364.304,82.
O casal foi denunciado 24 vezes pelo crime de falsidade ideológica e quatro vezes pelo crime de estelionato, referentes aos quatro depósitos feitos nas contas das vítimas.
Desmembrado
A denúncia foi apresentada em junho de 2023 e o processo foi desmembrado com relação ao agropecuarista, que foi citado por edital, mas não compareceu em juízo e não constituiu defesa. A ação tramitou na 3ª Vara Criminal e a sentença em primeira instância foi proferida em janeiro deste ano.
Nela consta que ao ser ouvida pela polícia, a veterinária confirmou que as contas foram abertas nos nomes da ex-empregada doméstica e do filho dela, mas negou ter pedido que eles assinassem qualquer documento.
Ela também declarou não ter conhecimento das dívidas contraídas pelos dois com o banco e alegou não ter conhecimento dos negócios do marido dela. A ré não foi ouvida na fase judicial, pois não compareceu à audiência de instrução, apesar de ter sido intimada, sendo decretada a revelia.
Condenada
Ao decidir pela condenação, a Justiça levou em consideração que as vítimas confirmaram que nunca abriram contas no banco onde foram contraídos os créditos e que foram enganadas para assinarem documentos.
“Nos delitos de estelionato, praticados por intermédio de meio fraudulento contra a vítima, a palavra desta é de excepcional importância, sobretudo quando harmoniosa e coincidente com o conjunto probatório, como é o caso dos autos”, consta na decisão.
Também foi levado em consideração que os funcionários do banco afirmaram não se recordarem de as vítimas terem comparecido na agência para assinar os contratos. Eles também confirmaram que os réus possuíam diversos empréstimos bancários e em algumas situações, era permitida a coleta de assinaturas fora da agência.
“De outra parte, a defesa não trouxe aos autos elementos que evidenciassem interesse das vítimas e das testemunhas em imputar falsamente à acusada a prática de conduta definida como crime”, consta na decisão.
Participou
Para a Justiça, ficou configurado o crime de estelionato por parte da veterinária, que juntamente com o marido, obteve vantagem ilícita no valor de R$ 1.364.304,82, em prejuízo do banco, induzindo e mantendo em erro os envolvidos, por meio fraudulento, mediante conta aberta em nome das vítimas, o que só vem a confirmar a presença do dolo.
“A participação da corré está configurada, pois é esposa do corréu, assinou os contratos como avalista e beneficiou-se de toda a fraude”, cita a sentença em primeira instância, que determinou a pena de 2 anos e 7 meses de reclusão.
Porém, a pena de prisão em primeira instância foi substituída pelo pagamento em dinheiro às vítimas, no valor correspondente a 360 salários-mínimos vigentes à época do efetivo pagamento.
Recurso
O Ministério Público recorreu da sentença, pleiteando o aumento da pena, e foi atendido. O relator do recurso levou em consideração as declarações das testemunhas, inclusive do funcionário do banco, que relatou que os réus eram cliente de longa data e tinham por hábito quitar empréstimos contraídos através de cédulas rurais emitidas em nome de terceiros.
Também considerou que ficou provado que parte dos valores creditados às vítimas foi transferida para contas do agropecuarista. Além disso, a esposa dele figurou como avalista nas cédulas rurais contratadas nos nomes da empregada e do filho da empregada do casal, por meio de documento com assinatura reconhecida por Tabelião de Notas.
Apesar de ter aumentado a pena de prisão em regime inicial aberto, acatando pedido do Ministério Público, o TJ-SP reduziu o valor da multa a ser paga. A reportagem tentou contato com a defesa da veterinária, mas ao ligar no telefone do escritório a informação é de que o número está errado.
Agropecuarista cumpre medidas cautelares
O agropecuarista acusado de ter aplicado golpe milionário em um banco, junto com a esposa, uma médica veterinária de Araçatuba, também foi denunciado pelo Ministério Público 24 vezes pelo crime de falsidade ideológica e 4 vezes por estelionato.
Apesar de o processo ter sido desmembrado com relação a ele por não ter sido encontrado, o réu chegou a ter a prisão preventiva decretada e permaneceu por um tempo foragido, mas recentemente a defesa conseguiu um habeas corpus no STJ (Superior Tribunal de Justiça) e cumpre medidas cautelares diversas da prisão.
Ao representar pela decretação da prisão, a Promotoria de Justiça argumentou que o agropecuarista estaria se ocultando para frustrar a aplicação da lei penal. A reportagem apurou que no decorrer do processo, diante da dificuldade de contato com o réu pelos meios formais, foi mantido contato com ele por meio de um celular diverso.
Por meio desse contato, foi demonstrado interesse em negociar uma fazenda, já que ele atuaria no ramo de corretagem. As partes chegaram a marcar um encontro presencial, porém, o réu teria desistido momentos antes de aparecer no local marcado.
Ao ser procurado na clínica veterinária da esposa dele, a informação passada às autoridades, de acordo com o Ministério Público, foi de que ele não apareceria no estabelecimento havia anos.
Após a revogação da prisão obtida pela defesa, o réu compareceu ao Fórum, foi citado e o processo com relação a ele deve ser enviado para sentença em primeira instância em breve.