A Justiça de Araçatuba (SP) aceitou denúncia do Ministério Público contra o hacker Patrick César da Silva Brito, que está na Sérvia, referente a inquérito que investigou o crime de coação no curso do processo e por ameaçar, caluniar e injuriar vários policiais civis da cidade.
Ele tem como principal alvo, o delegado Carlos Henrique Cotait, que em agosto do ano passado deixou de exercer a função de Delegado Divisionário da Deic (Divisão Especializada de Investigações Criminais) de Araçatuba, devido às acusações feitas pelo hacker.
Segundo o que foi apurado pela reportagem, ao receber a denúncia, a Justiça considerou que está provada a materialidade e há indícios de autoria dos crimes praticados. Assim, Patrick, que já responde a diversos processos, agora passa a responder também por coação no curso do processo, ameaça, calúnia, injúria contra o delegado e mais seis vítimas.
Crimes
Como já foi amplamente divulgado, o hacker passou a ser investigado no início de 2021, após ser identificado como autor da invasão de dispositivos eletrônicos do então prefeito Dilador Borges, da primeira-dama Deomerce Damasceno. Ele pediu R$ 70 mil para as vítimas, configurando o crime de extorsão.
Como não houve flagrante, o hacker foi liberado após ser ouvido e mudou-se para a Sérvia. O inquérito prosseguiu, foi concluído e relatado à Justiça com o pedido de prisão preventiva, que foi decretada em maio de 2022.
Preso
O mandado foi cumprido pela Interpol em 23 de dezembro de 2022, tendo ele sido encontrado em Belgrado, capital da Sérvia. Patrick permaneceu preso até 22 de dezembro de 2023, quando teve direito à liberdade, pois a lei local não permite que uma pessoa fique encarcerada por mais de um ano por crime que tenha cometido em outro país.
Segundo o que foi apurado pela reportagem, a Justiça de Belgrado já decidiu pela extradição de Patrick, que recorreu e aguarda julgamento.
Ameaças
Ainda de acordo com o que foi apurado, mesmo estando na Sérvia, Patrick tomou conhecimento do mandado de prisão imediatamente. Assim, já na madrugada seguinte, ele passou a enviar mensagens para os policiais civis responsáveis pela investigação.
Uma das vítimas havia acabado de passar em concurso para delegada da Polícia Federal e foi alvo de denúncia apresentada por Patrick. Entre outras coisas, ele alegou que teria sido procurado por ela para fraudar o concurso.
Houve uma investigação por parte da Polícia Federal para apurar a denúncia e o procedimento foi arquivado. Foi constatado que o hacker teve o intuito de prejudicá-la e não apresentou provas das acusações, “resultando em um possível crime de denunciação caluniosa” , conforme despacho feito na ocasião.
Delegado
No mesmo sentido, ele passou a divulgar mensagens e vídeos acusando o delegado responsável pelo mandado de prisão dele, de tê-lo contratado para hackear possíveis alvos de investigação, principalmente da Operação Raio-X.
Essas acusações foram oficializadas em um dossiê elaborado por ele, segundo a denúncia, com auxílio de dois advogados. Esse dossiê teria sido oferecido por 5 milhões de dólares para advogados de réus da Operação Raio-X, em São Paulo, sob argumento de que as informações ajudariam a descredibilizar a investigação.
A operação Raio-X resultou na condenação de dezenas de réus, entre eles, o médico anestesista Cleudson Garcia Montali, apontado como o líder de um esquema de desvio de dinheiro público da área da Saúde por meio de OSS (Organização Social de Saúde). No caso dele, as penas somadas passam de 200 anos de prisão.
Revista
O dossiê também foi base para uma matéria publicada no final de fevereiro de 2023 por uma revista de circulação nacional e republicada na íntegra por um site de notícias de Araçatuba.
Patrick fez as mesmas acusações contra o delegado em depoimentos na CEI (Comissão Especial de Inquérito) instaurada pela Câmara de Bauru, onde ele confessou a invasão de dispositivos de uma vereadora e de um jornalista na cidade. O hacker prestou depoimento à CEI por videoconferência, assim que deixou a prisão.
As acusações se intensificaram em entrevistas concedidas por Patrick à Rádio Auriverde Brasil, também de Bauru. Nessas entrevistas, além de acusar o delegado de Araçatuba de mandar hackear alvos da Raio-X, entre eles o ex-governador Márcio França, o réu acusou o ex-ministro Gilberto Kassab de contratá-lo para "fazer um levantamento" da vida do então candidato a presidente Jair Bolsonaro e de Adelio Bispo, autor da facada que o feriu durante a campanha de 2018.
Afastamento
No dia seguinte, o secretário de Segurança Pública do Estado, Guilherme Derrite, concedeu entrevista à mesma rádio e comunicou que a Corregedoria da Polícia Civil da Capital iria convidar Patrick para prestar depoimento, em apuração preliminar que seria acompanhada pessoalmente por ele, para investigar as acusações.
Na mesma data, foi publicada no Diário Oficial do Estado, pela SSP, a mudança de função do delegado de Araçatuba, “em razão de uma readequação administrativa, sem qualquer caráter punitivo” , de acordo com a Pasta.
Investigação
A reportagem apurou que o inquérito contra Patrick que resultou nesse novo processo, foi instaurado a partir da descoberta da tentativa de venda desse dossiê por parte da Polícia Civil. Como o delegado alvo é testemunha na Operação Raio-X, configuraria o crime de coação no curso do processo.
Como a tentativa de venda teria ocorrido em São Paulo, o inquérito foi encaminhado para o MP da Capital, que entendeu que não ficou configurado o crime, já que a venda não ocorreu. Assim, foi arquivado o procedimento com relação a demais pessoas que teriam participado dessa ação junto com ele.
Porém, o inquérito retornou à Promotoria de Justiça de Araçatuba, que apresentou a denúncia somente contra Patrick, pelos crimes de ameaça, perseguição, calúnia e injúria contra o delegado e mais seis vítimas, a qual foi aceita pela Justiça.
A reportagem apurou que a Polícia Civil representou por nova decretação de prisão do hacker. O pedido porém, foi negado, sob argumento de que os crimes contra os policiais civis foram praticados em maio de 2022. Foi dado prazo de 10 dias para a defesa de Patrick se manifestar com relação à denúncia.
Denunciação caluniosa
Por fim, com relação ao possível crime de denunciação caluniosa citado na decisão da Polícia Federal com relação à denúncia feita contra a policial civil aprovada em concurso para delegada, será analisado possível conflito de competência antes da apreciação.
Defesa
A reportagem entrou em contato com um dos advogados que representa Patrick em um dos vários processos aos quais ele responde em Araçatuba. Ele informou que por enquanto não foi contatado para representá-lo nesta denúncia, por isso, não poderá se manifestar a respeito.
Por meio de um áudio, o agora réu nesse processo informou que irá apresentar defesa e que acredita que o caso será arquivado, como aconteceu em São Paulo.