A Justiça de Araçatuba (SP) aceitou a denúncia contra o hacker Patrick César da Silva Brito em processo que apura a divulgação de vídeos expondo um juiz de direito da cidade. Foi expedido um novo mandado de prisão preventiva contra ele, que está na Sérvia aguardando decisão sobre pedido de extradição feito pela Justiça Brasileira.
O corretor de imóveis William Giácomo Bosco, que foi preso preventivamente em setembro, acusado de participação nos crimes, também virou réu no mesmo processo.
Eles respondem judicialmente por perseguição, coação no curso do processo e incitação ao crime contra juiz autor da sentença que condenou Patrick a 9 anos e 3 meses de prisão pelos crimes de invasão de dispositivo e extorsão contra o ex-prefeito Dilador Borges (PSD) e a esposa dele, Deomerce Damasceno.
Após a sentença ser proferida, em agosto, Patrick gravou ao menos três vídeos que foram compartilhados por meio do aplicativo WhatsApp, os quais foram considerados covardes por parte de integrantes do Judiciário e do Ministério Público.
Neles há imagens do carro que seria da esposa do magistrado, imagens de câmeras de monitoramento do condomínio onde ele reside fotos e informações sobre outros familiares do juiz.
Corretor monitorou juiz
Após a divulgação dos vídeos, a Polícia Civil de Araçatuba instaurou inquérito e apurou que o corretor de imóveis William Giácomo Bosco teria passado as imagens e demais informações para o hacker expor o magistrado que o condenou.
Bosco também responde a processos que tramitam na mesma Vara em que esse juiz e é titular e foi condenado por ele a 3 anos e 6 meses de prisão por lavagem de dinheiro, sentença proferida em 11 de fevereiro deste ano.
De acordo com o que foi apurado pela reportagem, a investigação apontou que para se aproximar da família do juiz e obter informações da vida privada dele, um mês antes de ser condenado o corretor mudou-se para um apartamento alugado no mesmo condomínio onde o magistrado reside.
O objetivo seria tentar influenciar no julgamento desse processo por lavagem de dinheiro. Para isso, ele passou a fazer parte do grupo do condomínio no WhatsApp e chegou a mandar mensagem para a esposa do juiz, na tentativa de que ela influenciasse o marido na hora de julgar o caso, mas ele acabou condenado na ação.
Provas
A investigação apontou ainda que, logo após os vídeos contra o juiz que condenou Patrick serem divulgados por ele, o corretor de imóveis mudou do prédio onde o magistrado morava e alugou uma casa em nome da sogra dele, em um condomínio residencial. Ele foi preso no dia 10 de setembro nessa casa, durante operação realizada pela Polícia Civil para cumprimento a mandado de busca e apreensão.
Perícia feita nos equipamentos eletrônicos apreendidos durante as buscas apontou que Bosco entrou no sistema de monitoramento do prédio onde morava e fez cópia das imagens que foram utilizadas por Patrick no vídeo. Também teria sido comprovado que ele fez a foto do carro da esposa do juiz que foi utilizada no vídeo divulgado pelo hacker.
Ao ser ouvido, o corretor negou os crimes, alegando que o celular dele teria sido hackeado por Patrick, que não chegou a ser ouvido, pois permanece na Sérvia aguardando decisão sobre pedido de extradição.
Hacker
Com relação ao hacker, segundo o que foi apurado pela reportagem, a investigação apontou que antes de ser condenado, ele encaminhou e-mail com ameaças para o gabinete do juiz autor da sentença. Patrick também teve acesso ao número do celular da esposa do magistrado e enviou mensagens a ela. Existe a suspeita de que o corretor de imóveis tenha passado o contato dela a ele, de acordo com a denúncia.
Em um dos vídeos, o hacker contesta a pena. Na sentença, o juiz optou pelo mínimo previsto no Código Penal, já que somente o crime de extorsão prevê de 4 a 10 anos de prisão. Como ele considerou que esse crime foi praticado contra duas vítimas, ou seja, Dilador e a esposa dele, somaram 8 anos de prisão, mais 1 ano e 3 meses pelo crime de invasão de dispositivo, totalizando 9 anos e 3 meses de prisão.
Prisão
A reportagem já entrou em contato do a assessoria de imprensa do Ministério da Justiça para saber sobre a possibilidade de cumprimento desse novo mandado de prisão e aguarda resposta. Patrick ficou preso preventivamente por um ano naquele país, quando ainda respondia ao processo em que foi condenado por invasão de dispositivo e extorsão contra o ex-prefeito.
Como a legislação local não permite que pessoas que respondem a processo por crimes cometidos em outras localidades permaneçam encarceradas por mais de um ano, em 22 de dezembro de 2023 ele foi colocado em liberdade assistida e aguarda decisão sobre pedido de extradição.
A reportagem apurou ainda que ele não teria defensor habilitado nesse processo e que foi intimado por meio de mensagem por e-mail.
Justiça nega pedido para revogar prisão de corretor de imóveis
A Justiça de Araçatuba negou pedido feito pela defesa para revogar a prisão preventiva do corretor de imóvel William Giácomo Bosco, que agora é réu em processo junto com o hacker Patrick César da Silva Brito, por perseguição, coação no curso do processo e incitação ao crime contra juiz.
A defesa alega ausência de representação da vítima para o crime de perseguição e falta de contemporaneidade dos fatos que fundamentaram a prisão preventiva. Assim, considera que seria suficiente a imposição de outras medidas cautelares.
Ao decidir, a Justiça considerou que a vítima, aos ser ouvida, manifestou interesse na persecução penal e declarou desejo de ver os investigados processados criminalmente pelas ameaças e ofensas proferidas.
Além disso, foi considerado que o réu também responde junto com Patrick, pelos crimes de coação no curso do processo e incitação ao crime, que independem de representação por parte da vítima.
Contemporaneidade
Com relação à tese de que a prisão preventiva carece de contemporaneidade, a Justiça entendeu que a contemporaneidade não se afere pela data da prática delitiva, mas pela atualidade do risco que a liberdade do agente representa.
Na denúncia do Ministério Público, consta que Bosco teria se mudado para o mesmo condomínio residencial do magistrado, se aproximado da família dele e obtido informações sensíveis sobre a rotina da família.
Além disso, teria fotografado veículo da esposa do juiz no primeiro dia em que estava no condomínio, captado imagens do sistema de monitoramento interno do prédio e repassado essas informações a Patrick, que as utilizou nas graves ameaças contra o magistrado e a família dele.
Risco
Pesa ainda contra o corretor de imóveis, a informação de que ele teria utilizado credenciais de um advogado já falecido para acessar processos judiciais de forma irregular. Além disso, Bosco deixou o condomínio onde morava logo após a divulgação dos vídeos contra o juiz residente no mesmo prédio, vindo a morar em uma casa alugada no nome da sogra dele.
Também teria apagado as conversas que manteve com Patrick, que está foragido no exterior, e teria admitido em mensagem de áudio, que arremessaria o celular pela sacada, em caso de ser alvo de mandado de busca, indício de que pretendia destruir provas, no entendimento da Justiça.
Por fim, foi levado em consideração que os crimes de coação no curso do processo, incitação ao crime e perseguição qualificada atentam diretamente contra bens jurídicos de extrema relevância: a Administração da Justiça, a independência funcional dos magistrados e a segurança de autoridade pública e sua família.
Diante de tudo isso, a Justiça considerou que há grave risco de reiteração na prática criminosa e de prejuízo no processo caso seja posto em liberdade.
Defesa de William Bosco rebate denúncia e ingressa com habeas corpus no TJ-SP
A defesa técnica do corretor de imóveis William Giácomo Bosco, feita pelo advogado Jair Moura, informa que apresentou resposta à denúncia do Ministério Público e ingressou com Habeas Corpus junto ao TJ-SP (Tribunal de Justiça de São Paulo), pleiteando a revogação da prisão preventiva.
De acordo com o defensor, o pedido será apreciado pela desembargadora Ely Amioka, da 15ª Câmara de Direito Criminal. Bosco virou réu em processo por suposta participação nos crimes de perseguição, incitação ao crime e coação no curso do processo, movido contra o hacker Patrick César da Silva Brito, por vídeos gravados contra um juiz de Araçatuba.
A defesa sustenta que tais delitos não são hediondos e que não há qualquer elemento que justifique a manutenção da prisão cautelar, uma vez que, mesmo em caso de condenação, o regime inicial poderá ser diverso do fechado.
Além disso, o advogado aponta que a denúncia foi oferecida sem a representação formal da vítima, o que, no caso do crime de perseguição, configura condição de procedibilidade indispensável, conforme o § 3º do art. 147-A do Código Penal.
Para Moura, a ausência desse requisito macula o processo desde sua origem, tornando a prisão preventiva manifestamente ilegal.
Sem fundamentação
Outro ponto, de acordo com a defesa, é que a decisão que decretou a custódia não apresentaria fundamentação concreta e idônea, limitando-se a referências genéricas à "garantia da ordem pública e conveniência da instrução criminal", sem apresentar elementos objetivos que justifiquem a medida extrema.
“A balança da Justiça não pode ter dois pesos e duas medidas. É preocupante que, pelo simples fato da suposta vítima ser um magistrado, haja tratamento diferenciado na condução do caso. A lei é para todos", afirma o advogado de defesa.
Celular
Com relação ao celular pertencente a um advogado já falecido que foi apreendido durante as investigações, Moura afirma que o aparelho foi encontrado em poder de um “pai de santo”. Ainda de acordo com ele, nesse celular a polícia encontrou diversas conversas comprometedoras entre o advogado falecido e o hacker investigado, o que levanta questionamentos sobre a real autoria intelectual das ações apuradas.
Por fim, a defesa destaca que Bosco não possui condenação transitada em julgado, é primário, tem residência fixa, ocupação lícita e sempre se colocou à disposição da Justiça. Afirma também que segundo os autos, não há qualquer indício de que o corretor tivesse conhecimento prévio de que um suposto hacker praticaria os crimes investigados, sendo essa uma premissa equivocada sustentada pela acusação.
“William nega todas as acusações e reafirma sua confiança na Justiça, estando disposto a colaborar com a apuração dos fatos para provar sua inocência. A prisão preventiva deveria ser a última medida aplicada. No entanto, neste caso, ela foi adotada de forma desproporcional, sem que outras medidas cautelares, como as previstas no art. 319 do Código de Processo Penal, tenham sido sequer consideradas”, conclui o advogado.