Justiça & Cidadania

Acusado de espancar a mulher e atear fogo nela em Piacatu é condenado a 25 anos de prisão

Vítima teve fratura na mandíbula e 90% do corpo queimado; ela morreu após passar mais de 20 dias internada na Santa Casa de Araçatuba
Lázaro Jr.
09/09/2025 às 12h51
Maria José Rodrigues tinha 56 anos (Foto: Reprodução) Maria José Rodrigues tinha 56 anos (Foto: Reprodução)

Jan Carlos de Oliveira, 50 anos, foi condenado a 25 anos de prisão pela morte da companheira dele, Maria José Rodrigues, 56 anos, que teve fratura na mandíbula e 90% do corpo queimado. O caso aconteceu em maio de 2023, em Piacatu, e o próprio réu levou a mulher para atendimento médico, alegando que ela teria se queimado ao tentar acender uma churrasqueira com álcool.

 

Ele foi condenado pelo Tribunal do Júri de Bilac a 25 anos de prisão no regime fechado pelo feminicídio e a mais 1 ano e 3 meses de detenção, em regime semiaberto, por fraude processual. Houve recurso contra a sentença, mas o TJ-SP (Tribunal de Justiça de São Paulo) manteve a decisão, em julgamento ocorrido no último dia 4.

 

Consta da denúncia que o caso aconteceu na noite de 30 de abril de 2023, na residência do casal, na avenida Dr. José Benetti, em Piacatu. Réu e vítima estavam juntos havia cerca de 33 anos e a convivência não seria harmoniosa. 

 

Possessivo

 

Jan seria intolerante em relação aos dois filhos da vítima de um casamento anterior, inclusive a proibia de recebê-los em casa, junto com os netos. Ele também a proibiria de receber visitas do próprio filho e foram encontrados boletins de ocorrência de violência doméstica registrado pela vítima em 2013 e em 2017.

 

Uma familiar ouvida na delegacia no dia seguinte ao crime, revelou que Maria José havia contado que havia sido ameaçada pelo companheiro, que teria dito inclusive que seria capaz de 'meter fogo nela'.

 

Outra familiar relatou que já havia convidado a vítima a sair de casa, mas ela tinha medo da reação do companheiro, que teria afirmado que em caso de separação, ele 'colocaria fogo nela e, em seguida, se mataria'.

 

Churrasco

 

Na ocasião do crime, a reportagem teve conhecimento que a polícia foi informada que uma mulher havia dado entrada na Santa Casa de Araçatuba na madrugada de 1º de maio, apresentada pelo companheiro, alegando que ela teria se queimado ao tentar acender a churrasqueira.

 

Ouvido no mesmo dia, o réu alegou que eles passaram o dia ingerindo bebidas alcoólicas e comendo churrasco em casa. Já por volta das 22h, o casal decidiu reacender a churrasqueira. Jan disse que saiu de casa para ir a um açougue pegar mais cerveja e ouviu a mulher gritar. Ao retornar, a encontrou com o corpo em chamas.

 

Ele falou que a jogou ao chão para tentar tirar a roupa que ela vestia e usou as próprias mãos para tentar conter o fogo. Em seguida, ao dar banho nela, percebeu que a pele do corpo dela começou a soltar, por isso, a deitou na cama e passou um medicamento para queimaduras.

 

Como Maria José passou a reclamar muito de dor, já na madrugada ele decidiu levá-la para a Santa Casa de Araçatuba. Durante atendimento médico, foi constatado que a vítima apresentava fratura no maxilar. Questionado, o réu disse que a lesão poderia sido causada quando ele a jogou ao chão para tentar conter o fogo. 

 

Jan foi liberado após ser ouvido, mas durante o inquérito a Polícia Civil representou pela decretação da prisão temporária e foi atendida. Foi levado em consideração, as contradições apresentadas pelo réu e o histórico de violência doméstica entre o casal.

 

Morreu

 

A vítima permaneceu internada aguardando vaga para transferência para um hospital de referência em tratamento de queimados e não resistiu aos ferimentos, sendo o óbito constatado 21 de maio, na Santa Casa de Araçatuba.

 

O réu foi denunciado por homicídio qualificado pelo motivo fútil e por feminicídio e também por fraude processual, acusado de ter alterado a cena do crime, com o intuito de induzir o perito e o juiz a erro. Condenado pelo Júri Popular, a defesa recorreu pedindo o afastamento das qualificadoras, mas o TJ-SP manteve a sentença na íntegra.

 

A relatora do recurso, desembargadora Carla Rahal, levou em consideração que o réu teria avançado sobre a companheira e utilizado algum objeto para golpeá-la várias vezes. Ela teria sido atingida no rosto, ferindo o nariz e a boca, causando fraturas. 

 

“O conjunto probatório reunido ao longo da investigação policial demonstrou que a intenção do agente homicida, num primeiro momento, foi neutralizar ou impedir qualquer possibilidade de reação defensiva por parte da vítima, para, em seguida, consumar sua morte, valendo-se, para tanto, da crueldade de atear fogo ao seu corpo cumprindo, assim, a promessa macabra que já lhe havia feito em ocasiões anteriores”, consta na decisão.

 

Laudo do exame necroscópico apontou que a vítima também sofreu lesão na mão direita, indicativo de que ela teria tentado se defender das possíveis agressões. “No entanto, diante da extrema violência e eficácia dos ataques iniciais, qualquer reação acabou se mostrando inócua e insuficiente para evitar a brutal agressão que culminaria em sua morte”, cita o relator do recurso.

 

A decisão cita ainda que após agredir a mulher violentamente no rosto, o réu utilizou um frasco de álcool para espalhar o líquido inflamável sobre o corpo de Maria e em seguida ateou fogo utilizando um isqueiro que foi apreendido pela perícia.

 

Fraude

 

Para a Justiça, apesar de poder ser verdadeira a versão de Jan de que teria passado pomada nas queimaduras sofridas pela vítima, essa medida teria sido mera encenação para tentar camuflar a cena do crime. “Concluída essa etapa, o agressor deixou a vítima agonizante no quarto, abandonando-a à própria sorte, sozinha, à espera da morte resultado que, efetivamente, era por ele desejado”.

 

Em seguida, o réu teria providenciado a limpeza da varanda dos fundos e da área de serviço da residência e lavado o quintal. Ele teria jogado no lixo as roupas da vítima e outros materiais, que foram colocados em um saco deixado na calçada da residência para ser recolhido.

 

“Além disso, adulterou a posição de diversos objetos e utensílios da casa, tanto na área externa quanto nos ambientes internos, como a cozinha e o banheiro. E assim procedeu com o claro propósito de alterar e modificar, de forma intencional, maliciosa e artificiosa, o estado do local onde o crime fora praticado, com o objetivo de prejudicar e dificultar a adequada realização das diligências periciais que, inevitavelmente, ali seriam efetuadas. Nesse momento, portanto, o denunciado passou a incorrer em nova infração penal: o crime de fraude processual”.

 

Consta no relatório que essa “operação de limpeza e dissimulação” teria consumido mais de quatro horas, período em que a vítima permaneceu agonizando em função dos ferimentos sofridos.

 

Socorro

 

Consta ainda que a vítima só deu entrada na Santa Casa de Araçatuba às 3h19, ou seja, mais de cinco horas após ter sofrido as agressões. O fato de o réu não ter acionado a ambulância da cidade para levá-la ao hospital de Bilac, que é mais próximo, teria como objetivo evitar o contato com pessoas conhecidas, o que poderia, de imediato, desmascará-lo.

 

Laudo do exame necroscópico apontou que a morte foi em consequência de “Choque Distributivo em função de extensa queimadura de superfície corporal por ação térmica, justificada pela exsudação plasmática e diminuição do volume circulatório e pela desintegração de albuminas, não se podendo descartar focos infecciosos secundários e diminuição das funções hepáticas e renal”, além dos sinais de fratura em mandíbula e em ossos próprios da mão direita.

 

Condenação

 

Ao rejeitar o afastamento das qualificadoras, a desembargadora justificou que com base nos autos, o crime foi praticado no âmbito de uma relação duradoura e profundamente marcada por violência doméstica e familiar. “A vítima, Maria José Rodrigues, conviveu com o apelante por mais de três décadas sob um regime de dominação, controle e constante opressão”, cita.

 

Também foi considerado que o crime foi praticado por razões da condição do sexo feminino da vítima, evidenciando-se o contexto de violência doméstica e familiar, previsto na lei Maria da Penha. “A conduta do apelante se insere perfeitamente na hipótese do art. 121, §2º, VI, do Código Penal, introduzido pela Lei nº 13.104/2015, que tem como objetivo reconhecer e punir com maior rigor os crimes resultantes da desigualdade de gênero e das relações abusivas”.

 

Consta na decisão que também ficou caracterizada a qualificadora do motivo fútil, na medida em que o homicídio foi cometido em razão de desentendimento banal, próprio da rotina conjugal. “A brutalidade da conduta espancar a vítima até deixá-la inconsciente, e em seguida atear fogo ao seu corpo com o claro intuito de consumar a morte revela a completa desproporcionalidade entre o ato e a suposta causa que o motivou. Constatou-se que a discussão que precedeu o crime foi apenas mais uma dentre tantas outras geradas por ciúmes e intolerância, o que demonstra a futilidade da motivação”, finaliza.

 

Consta ainda sentença que o réu foi condenado a 30 anos de prisão, porém, a pena foi reduzida em função da atenuante da confissão espontânea. 

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