Opinião

Reparadores no mundo

"Embora o mundo tenha sido criado inatamente bom, seu Criador, propositalmente, deixou espaço para nós aperfeiçoarmos a Sua obra ou repararmos aquilo que poderia ser danificado"
Da Redação
15/09/2024 às 10h32
Foto: Divulgação Foto: Divulgação

Por José Márcio Mantello

 

Na semana que se passou, tive um reencontro com um amigo que há muito não via. Foram apenas alguns minutos de conversa, mas que serviram para confirmar alguns sentimentos e, principalmente, despertar uma grande reflexão.

 

Ele partilhou um pouco de uma filosofia judaica a qual apregoa que o Criador escolhe algumas pessoas para serem reparadores do mundo (Tikun Olam em hebraico). Embora o mundo tenha sido criado inatamente bom, seu Criador, propositalmente, deixou espaço para nós aperfeiçoarmos a Sua obra ou repararmos aquilo que poderia ser danificado.

 

Assim, todas as atividades humanas são oportunidades para cumprir essa missão, e todo ser humano pode ser envolvido nesse trabalho de restauração (criança ou adulto, estudante ou empreendedor, industrial ou artista, cuidador ou vendedor, ativista político ou ambientalista, jurista ou pedreiro, ou apenas mais um de nós se esforçando para permanecer à tona).

 

Tikun é traduzido frequentemente como reparo. Mas na Bíblia em Hebraico e no código da Lei Judaica chamado Mishná, tem uma gama de significados: melhorar, consertar, preparar, arrumar, ou apenas “fazer algo com…”

 

Tikun poderia ser usado para descrever arrumar uma roda quebrada, manter um caminho, cortar as unhas, arrumar uma mesa, ou decifrar uma parábola para explicar uma ideia difícil.

 

Olam no hebraico bíblico denota o tempo todo (Eterno). No hebraico posterior, veio a significar o mundo. Portanto Tikun Olam literalmente significa fazer algo para o mundo que não apenas vai consertar qualquer dano, mas também melhorá-lo, preparando-o para entrar no estado supremo para o qual foi criado.

 

Na prática, cada ato de reparação, de conserto, serviria para manifestar o Deus oculto (invisível) nesse mundo. Talvez isso tenha íntima relação com a afirmação que Jesus fez em um dos seus sermões: Vós sois o sal da terra e a luz do mundo.

 

Na verdade, a narrativa bíblica descrevendo a criação dos seres humanos originais nos conta que fomos colocados no Jardim do Éden “para trabalhar e protegê-lo.”

 

Em tempos, literalmente, de grandes destruições e de muitos destruidores, ser reparador, consertador, talvez seja a missão que mais nos torna semelhantes ao Criador, ao Divino.

 

E para tanto, não se faz necessário “se converter” a uma religião e muito menos, se dedicar a uma vida exclusivamente penitente ou se refugiar num mosteiro. Bastaria, apenas, continuar fazendo suas mesmas atividades, mas de maneira que revele um significado mais elevado, divino. Por exemplo: você poderia comer apenas para encher um estômago vazio, mas também poderia comer para extrair energia dos nutrientes do seu alimento, e então canalizar aquela energia para cumprir sua missão divina na vida.

 

Da mesma forma, você poderia fazer negócios apenas para acumular riquezas, mas você poderia fazer o mesmo negócio usando uma porcentagem de seus lucros com objetivos de ajuda ao necessitado. O próprio negócio poderia ser um veículo para o bem, criando cooperação entre partes que poderiam ser hostis, demonstrando as virtudes da honestidade e da integridade, e provendo muitas pessoas com uma fonte de renda digna.

 

Tal filosofia de vida é usada frequentemente para descrever exclusivamente atos de justiça social e consciência ambiental. Estes certamente são importantes, pois somos todos responsáveis por consertar a injustiça. “Silenciar”, diz o dito talmúdico, “é consentir.”

Certamente é vital que asseguremos a sustentabilidade da vida sobre este magnífico estágio da criação. Todavia, é essencial entendermos que ser um reparador, não é somente para ativistas políticos e ambientalistas.

 

Cada ato feito com esse propósito/motivação neste mundo, reverbera através de todo o restante do mundo. Cada um que entenda essa missão, tem o potencial de mudar tudo em volta.

 

Todos os aspectos da vida de uma pessoa, até os mais “mundanos” e despretensiosos, tem propósito e nos oferece uma oportunidade para sermos canais de restauração. A maneira que você come e o que você come, a maneira como trata os outros, os compromissos que faz com sua família e amigos, podem ser atos reparadores de um mundo em decadência.

 

Minha reflexão tem sido: O que eu faço e a maneira como faço, são ações que cooperam para uma reparação ou contribuem para um apodrecimento e destruição do mundo onde estou inserido?

 

Que impacto minhas ações e afazeres causariam no mundo, se eu os fizer com essa consciência e perspectiva?

 

O apóstolo Paulo já entendia isso há quase 2.000 anos quando propôs:

 

“Portanto, quer comais, quer bebais ou façais outra coisa qualquer , façam tudo para a glória do Criador”.

 

Parafraseando a oração de São Francisco de Assis (era a preferida do meu pai):

 

Senhor, fazei de mim um instrumento de sua paz: Onde houver ódio, que eu leve o amor; onde houver ofensa, que eu leve o perdão; Onde houver discórdia, que eu leve a união; onde houver erro, que eu leve a verdade; onde houver desespero, que eu leve a esperança; onde houver tristeza, que eu leve a alegria; onde houver trevas, que eu leve a Luz!

 

José Márcio Mantello é advogado criminalista na comarca de Araçatuba e Teólogo

Graduado em Direito pela UNITOLEDO; Pós-Graduação em Docência do Ensino Técnico e Superior pela UNITOLEDO; Pós-Graduação em Prática Penal Avançada pelo DAMÁSIO EDUCACIONAL; Especialização em Execução Penal pelo IDPB – Rio de Janeiro

Atuação no Tribunal do Júri

 

** Este texto é de responsabilidade do autor e não reflete, necessariamente, a opinião deste veículo de comunicação

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