Por José Márcio Mantello
Essa semana, o Ministro do STJ (Superior Tribunal de Justiça) Rogério Schietti, REPUDIOU que um pedido para que um preso pudesse se utilizar do seu próprio pecúlio (valor pecuniário que o preso recebe como remuneração pelo trabalho realizado dentro ou fora do presídio) para comprar alimentos e produtos de higiene pessoal, tivesse que chegar ao STJ (3ª Instância).
Para ele, é evidente a falta de sensibilidade com tal negativa, uma vez que é notório que o Estado não satisfaz de forma suficiente estas necessidades.
Isto é só uma pequena demonstração do estado de coisas inconstitucional no sistema penitenciário brasileiro.
A ignorância, mãe de grandes tragédias, é parte fundamental na estruturação do sistema prisional brasileiro. Sim, a ignorância que ainda impede a sociedade de entender que a pessoa presa e que foi alvo de uma sentença condenatória, a qual atingiu o seu direito à liberdade de locomoção (direito de ir e vir), todavia, essa mesma sentença, não atingiu outros direitos que lhe são inerentes, tais como: dignidade da pessoa humana, direito à alimentação, ao trabalho, à saúde, à assistência (material, jurídica, educacional, social e religiosa), direito de não sofrer violência física ou moral, dentre outros, como assegurados na Constituição Federal e elencados na LEP (Lei de Execução Penal).
Assim, enquanto continuar a pregação de que “bandido bom é bandido morto”, a sociedade pagará um altíssimo custo de um sistema de segurança despreparado, desatualizado, medieval, fundado tão somente na repressão violenta. E essa ideologia do terror imposto pela força bruta, é também a força motriz do sistema prisional imprestável, ineficiente e degradante que atua nos presídios da nossa nação.
A política carcerária brasileira nasceu e permanece falida. Nunca ocorrerá a reinserção da pessoa que cometeu um crime (sendo este um dos objetivos da pena privativa de liberdade) dentro desse sistema.
Quem “dirige” os presídios são as facções criminosas organizadas, estruturadas e rígidas. Papel esse, transferido facilmente por um Estado ineficiente.
Há muito que já não é novidade para ninguém que os presídios são verdadeiras usinas de destruição da dignidade humana (do pouco que ainda resta) e dos direitos universais da pessoa humana.
Soma-se a isso, a arbitrariedade das SAP´s (Secretarias da Administração Penitenciária) que continuam legislando (fora da Lei) por meio de portarias, resoluções, regimentos contra as Leis Federais 8.906/94 (Estatuto da Advocacia) e 7.210/84 (Lei de Execução Penal); sem falar ainda, das inúmeras e escancaradas infrações aos direitos e garantias constitucionais e, tudo isso, contando com a complacência (ou seria mesmo indiferença) do Poder Judiciário.
Como dito acima, a ignorância, mãe das grandes tragédias, aquela mesma que diz: “bandido tem que apodrecer na cadeia”; ou ainda, “tem mais é que morrer lá dentro”; “tá com dó? Leva pra casa”. Essas bravatas berradas pelos “âncoras” de programas sensacionalistas, que defendem a morte dos direitos constitucionais e o massacre de gente que cometeu crimes, além de não resolver os problemas das masmorras brasileiras, somente faz aumentar a violência dentro e fora das muralhas dos presídios.
As mazelas do sistema carcerário surgiram e se sustentam por uma sucessão de fatores: negligência do Poder Público, falta de investimento e total desrespeito às Leis (Constitucionais e Federais). Pior, o sistema prisional como hoje existe e “funciona” é apenas uma alternativa à pena de morte (legalizada) e à tortura. Entretanto, não cumpre o seu papel principal, ou seja, a reeducação do apenado.
Na verdade, o resultado de tal sistema falido é justamente o inverso: ele contribui significativamente com o “aperfeiçoamento” do criminoso. A reincidência do egresso (daquele que saiu da prisão) é a maior evidência da ineficácia e inutilidade do sistema penitenciário para a sua ressocialização.
Mas, enquanto não houver coragem suficiente e, principalmente, SENSIBILIDADE para debater, enfrentar e transformar essa trágica realidade, continuaremos contribuindo (cada um a seu modo) para a manutenção desse estado de coisas inconstitucional.
Francesco Carnelutti em sua obra “As misérias do Processo Penal” aduz o seguinte:
Basta tratar o delinquente como um ser humano, e não como um animal, para se descobrir nele a chama, ainda que pequenina do pavio fumegante, que a pena, em vez de extinguir, deveria reavivar.
José Márcio Mantello é advogado criminalista na comarca de Araçatuba e Teólogo
Graduado em Direito pela UNITOLEDO; Pós-Graduação em Docência do Ensino Técnico e Superior pela UNITOLEDO; Pós-Graduação em Prática Penal Avançada pelo DAMÁSIO EDUCACIONAL; Especialização em Execução Penal pelo IDPB – Rio de Janeiro
Atuação no Tribunal do Júri
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