Opinião

Naquele tempo

"Confesso que sou bastante nostálgico, mais do que gostaria, porém, isso não me faz abandonar meus compromissos presentes e nem me arrancam sonhos para o futuro"
Da Redação
11/02/2024 às 12h48
Foto: Reprodução Foto: Reprodução

Por José Márcio Mantello

 

Quando Sérgio Bittencourt (em 1.974) fez uma letra em homenagem póstuma a seu pai (Jacob do bandolim), talvez não imaginasse duas coisas: como aquelas palavras escritas num guardanapo de papel, se tornaria uma música de tanto sucesso interpretada por Nelson Gonçalves e, muito menos, que estaria dando voz à dor de muitos.

 

“Eu não sabia que doía tanto
Uma mesa num canto, uma casa e um jardim
Se eu soubesse o quanto dói a vida
Essa dor tão doída não doía assim
Agora resta uma mesa na sala
E hoje ninguém mais fala do seu bandolim
Naquela mesa tá faltando ele
E a saudade dele tá doendo em mim”

 

Há quem diga ser extremamente prejudicial ser nostálgico. O termo nostalgia vem do grego “nostos”, de “voltar para casa” e “algos”, de dor. Tinha o sentido de expressar a dor daqueles que estavam longe de casa e desejavam voltar. A nostalgia já foi considerada uma doença psicológica, uma vez que estava sempre atrelada à melancolia e consequente depressão.

 

Diferente da saudade, que pode ser “matada” (matar a saudade), entrando em contato com algo já vivenciado (sejam lugares, pessoas, etc), a nostalgia, por sua vez, tende só a aumentar, pois traz recordações que jamais poderão ser vividas novamente como fora antes.

 

Não é difícil encontrar pessoas que dariam tudo para entrar num túnel do tempo e “retornar ao passado”, pois estão num presente vazio e sem perspectivas para o futuro. Todavia, nem toda nostalgia, necessariamente, precisa ser ruim ou maléfica. A boa nostalgia é aquela que te conecta com o passado, criando o seu arquivo de histórias de vida. Ela pode aumentar sua sensação de pertencimento, relembrar sua identidade, sua origem e raiz.

 

Confesso que sou bastante nostálgico, mais do que gostaria, porém, isso não me faz abandonar meus compromissos presentes e nem me arrancam sonhos para o futuro. Mas, a nostalgia não me deixa dúvidas de que o meu passado foi muito mais satisfatório do que tem sido o meu presente.

 

Sabe aquele clichê: “Era feliz e não sabia”; pois é, apesar da escassez, de tempos difíceis, de desejos não supridos, vontades não saciadas, aquele tempo (ahhh aquele tempo) correndo em meio a pomares, subindo em árvores e ali permanecendo por horas (cheio de imaginação) até ser “despertado” pelo chamado de uma voz aguda da mãe; aquele levantar antes do sol brilhar, encostado a um fogão de lenha junto a meu pai, se aquentando do frio; aquela ida ao mercado uma única vez por mês, ganhando o “prêmio” de escolher uma maçã bem vermelha com aquele cheiro indescritível e pegar dois “danones” (nome genérico, pois nem sonhávamos que aquilo era iogurte), os quais teriam suas tampas lambidas para não perder nada.

 

E às noites, na mesma mesa que se comia, usada para fazer as tarefas escolares “intermináveis”. Dormia-se em quarto sem forro, suando até a alma nas noites calorentas, e quando chovia, sentíamos os respingos que entravam pelas frestas das telhas. Todas as madrugadas o chão tremia, não era terremoto, apenas o trem cargueiro que pontualmente trilhava a pouco mais de 700 metros de casa.

 

Tudo muito simples, sem conforto, mas cercados e mergulhados num ambiente irreconstruível, irrecuperável e irrepetível. E é justamente essa impossibilidade de se voltar no tempo, essa total incapacidade de viver tudo novamente, que gera uma das dores mais agudas e penetrantes: a dor da nostalgia. Dor essa sentida por todos aqueles que não podem mais “voltar para a casa”, porque o “algoz” que atende pelo nome de Kronos (tempo) não lhe permite mais.

 

E assim, a vida segue. E eu sigo assim, com um gemido inexprimível, sentindo essa dor inominada. Hoje entendo que a nostalgia (assim como sua irmã gêmea saudade), seja mais uma forma de presença do que de ausência. Sim, talvez a nostalgia não tenha a ver com o que se perdeu, mas com aquilo que é impossível deixar para trás.

 

José Márcio Mantello é advogado criminalista na comarca de Araçatuba e Teólogo

Graduado em Direito pela UNITOLEDO; Pós-Graduação em Docência do Ensino Técnico e Superior pela UNITOLEDO; Pós-Graduação em Prática Penal Avançada pelo DAMÁSIO EDUCACIONAL; Especialização em Execução Penal pelo IDPB – Rio de Janeiro

Atuação no Tribunal do Júri

 

** Este texto é de responsabilidade do autor e não reflete, necessariamente, a opinião deste veículo de comunicação

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