Opinião

'Não litigue por um amor que você não semeou'

"A indignidade está prevista na lei civil, e consiste na perda do direito do herdeiro de receber a herança, por ter praticado algum ato em ofensa ao falecido"
Da Redação
17/09/2024 às 12h32
Foto: Reprodução Foto: Reprodução

Por Livia Gorgone*

 

No final de agosto, uma sentença oriunda do Tribunal de Justiça do Distrito Federal deu o que falar. 

 

O juiz da 1ª Vara Cível de Samambaia/DF impediu que um pai herdasse os bens de sua filha falecida. O motivo? Abandono afetivo. 

 

Em primeiro lugar, lembremos que os pais são herdeiros, nos casos em que seus filhos partem sem deixar descendentes. 

 

Pois bem. 

 

No caso levado à julgamento, uma senhora, portadora de deficiência, havia falecido, sem filhos. Seu irmão, então, ajuizou uma ação buscando declarar a indignidade do pai deles para receber a herança da filha. 

 

A indignidade está prevista na lei civil, e consiste na perda do direito do herdeiro de receber a herança, por ter praticado algum ato em ofensa ao falecido.

 

As hipóteses de indignidade estão previstas expressamente na lei, que dispõe que são excluídos da sucessão os herdeiros que houverem sido autores de homicídio doloso, ou tentativa, contra o falecido ou seu cônjuge, companheiro, ascendente ou descendente; que houverem acusado caluniosamente em juízo o falecido, ou praticado crime contra a sua honra, ou de seu cônjuge ou companheiro; que, por violência ou meios fraudulentos, inibirem o falecido de dispor de seus bens. 

 

Percebe-se, assim, que dentre as hipóteses de indignidade para herdar não se inclui o abandono afetivo. 

 

Entretanto, o juiz do caso concreto resolveu ampliar o alcance da norma – o que gerou muitas críticas – declarando a indignidade do pai para receber a herança da filha deficiente que praticamente abandonou durante quatro décadas. 

 

Explicado o caso, cabem inúmeras reflexões. 

 

De fato, não parece justo que um pai que pouco ou nada participou da vida de sua filha, tendo se limitado a gerá-la biologicamente, possa, após décadas de ausência, reaparecer na hora de sua morte e herdar seus bens. 

 

No caso, há o agravante da deficiência enfrentada pela filha falecida. Quantas consultas médicas, quanta dificuldade ou até preconceito permearam a vida dessa mulher, sem que seu pai, sequer, tomasse conhecimento ou se importasse? 

 

Será que, além de toda a dificuldade inerente à deficiência, essa mulher também não sofreu pela ausência paterna? Muito provavelmente. Como observou o juiz, “a ausência de um pai vivo pode ser ainda mais dolorosa do que a ausência de um pai já falecido” .

 

O que chamou a atenção na sentença, além de seu conteúdo inovador, foram os trechos literários usados pelo juiz. Citando o escritor Carlos Drummond de Andrade, o juiz destacou que, apesar das dificuldades, “para um pai e uma mãe nunca há pedras para criar e defender seus filhos”.

 

Afirmou ainda o magistrado: “Não litigue, Sr. José, pela herança de uma filha que o senhor não criou; não litigue pela cota parte de um lar que você não habitou; não litigue por um amor que você não semeou; não litigue!

 

*Livia Gorgone é advogada na área de Família e Sucessões em Araçatuba. 

 

* Este texto é de responsabilidade do autor e não reflete, necessariamente, a opinião deste veículo de comunicação.

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