Por Cassio Betine
Na encruzilhada entre poder e tecnologia, um novo protagonista surge no cenário militar: a inteligência artificial. Longe de ser apenas coadjuvante em centros de comando ou laboratórios de pesquisa, a IA está cada vez mais presente no cerne das operações bélicas, redefinindo as regras do jogo. E ao contrário de pensarmos que essas IAs de guerra são usadas apenas para acelerar ou fornecer informações assertivas, elas vão bem além disso — elas já estão tomando decisões letais.
Drones kamikaze e a banalização do ataque
Uma das tecnologias mais emblemáticas é o uso de drones autônomos de baixo custo, também conhecidos como loitering munitions. Esses dispositivos operam de forma autônoma ou semi-autônoma, podendo circular em áreas de conflito até identificar um “alvo válido” e executá-lo. O aspecto inquietante? Muitas dessas decisões são feitas por redes neurais treinadas para reconhecer padrões visuais e comportamentais, sem que um ser humano interfira no processo final. Além disso, esses drones podem ser comprados pela internet a baixos custos e carregados com quilos de explosivos. Inclusive aqui mesmo no Brasil, uma facção criminosa utilizou esse recurso contra facção inimiga. Esses drones estão deixando de ser exceção tecnológica para se tornarem protagonistas em conflitos reais.
Sistemas de vigilância preditiva: o olhar que vê antes de acontecer
Outro ponto alarmante é a consolidação das chamadas redes de vigilância algorítmica. Utilizando inteligência artificial combinada com big data e reconhecimento facial, esses sistemas são capazes de identificar indivíduos, prever seus deslocamentos e até estimar comportamentos “de risco”. Em contextos de guerra ou em regimes autoritários, essa tecnologia abre espaço para abusos em escala massiva — o futuro da repressão pode ser 100% automatizado. Ou seja, num futuro próximo, não se assuste se for abordado por um robô que lhe dará algum tipo de ordem, ou coisa pior.
Governos e exércitos investem em softwares capazes de cruzar informações de imagens de satélite, redes sociais, câmeras urbanas e sensores móveis para montar “mapas de ameaça” em tempo real. O soldado, nesse cenário, já não é o olho que vê, mas o dedo que aciona.
IA na tomada de decisão: a cadeia de comando reconfigurada
Esse é o grande e assustador cenário. Historicamente, decisões militares envolvem hierarquia e responsabilidade. Mas com a integração de IA em sistemas de comando e controle, essa cadeia está sendo fragmentada. Plataformas militares agora incorporam algoritmos que avaliam cenários e sugerem respostas táticas — e muitas vezes essas sugestões se tornam execuções automáticas, em milésimos de segundos.
O fator humano, neste caso, está sendo substituído não por erro, mas por eficiência. A frieza da máquina é vendida como vantagem. Mas o que acontece quando um algoritmo erra? Quem responde?
Contratos bilionários e o Vale do Silício militarizado
Não são apenas os governos que movem essa engrenagem. Empresas privadas, especialmente gigantes de tecnologia, se tornaram atores centrais na militarização da IA. Acordos bilionários entre big techs e as forças armadas americanas já são um negócio rentável, como o Project Maven, em que IA foi usada para analisar imagens de drones em zonas de guerra.
Essa simbiose entre a iniciativa privada e o poder militar inaugura uma nova era: a mercantilização da guerra algorítmica, onde o código-fonte pode valer mais do que tanques e caças.
O futuro que nos observa, nos julga e nos sentencia
Por trás de todas essas inovações está uma questão preocupante: será que estamos prontos para transferir a ética de matar a máquinas sem consciência? Independente da resposta, isso já está acontecendo. Na verdade, esses conflitos recentes estão servindo como testes para aprendizado dessas máquinas, onde tudo pode virar números, estimativas e erros. Sabe aqueles testes que aparecem em alguns sites pedindo pra você clicar nas imagens com semáforos, faixas de pedestre ou ônibus? Aquilo é um treinamento de reconhecimento de imagem. Mesmo critério usado nas guerras para distinguir tanques bélicos de caminhões civis de transporte de carga.
Não percebemos, mas isso tudo está acontecendo agora e parece que não vai parar. É possível que você esteja pensando quem pode frear o avanço e o uso dessas tecnologias, não é mesmo? Que algum tipo de burocrata pode acabar com isso com uma canetada ou tomando cervejinha num bar? Sem chance disso acontecer!
*Cassio Betine é head do ecossistema regional de startups, coordenador de meetups tecnológicos regionais, coordenador e mentor de Startup Weekend e pilot do Walking Together. Cássio é autor do podcast Drops Tecnológicos
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