Opinião

Excursionar por sua própria cidade

"Nesta semana de aniversário de Araçatuba, pergunto a todos os seu moradores: quem conhece a cidade por inteiro? Casa por casa, beco por beco? Já entrou no presídio? Disputou alguma maratona em suas ruas?"
Da Redação
28/11/2023 às 15h43

Por Hélio Consolaro*

 

Há certas situações na vida que revelam a nossa limitação interior. Os moradores de uma cidade não conhecem seus hotéis, pois às vezes não conseguimos viajar por nossos labirintos interiores, como conhecer a si mesmo, uma frase bem conhecida do filósofo grego Sócrates.

 

Apenas os loucos é que saem de suas casas e vão dormir num hotel da cidade em noite qualquer, como forma de sair da rotina. Há gente solitária que tem o hotel como moradia fixa, é mais cômodo. O poeta Mário Quintana era assim, morava num hotel de Porto Alegre-RS.

 

Nesta semana de aniversário de Araçatuba, pergunto a todos os seu moradores: quem conhece a cidade por inteiro? Casa por casa, beco por beco? Já entrou no presídio? Disputou alguma maratona em suas ruas?

 

Podemos dominar todas as ruas, saber nomes e onde ficam, chegar lá. Os profissionais que prestam serviço de entregar gente e coisas conhecem a cidade, ou melhor, conhecem bairros e ruas dela pelo GPS.  

 

Do chão, ao rés do chão, ninguém viu Araçatuba toda num só olhar. Nem o aviador, nem o morador do mais alto arranha-céu. Quem vem de Birigui à noite a vê iluminada, só os pontinhos.

 

Nesse sentido, a cidade é invisível. O aviador e o morador do alto têm uma visão geral, embaçada da cidade. Nem o Google a conhece numa única imagem.

 

Sabemos que os pobres moram na periferia da cidade, em sua beirada, porque os carros velhos, que não pagam IPVA, estão nas garagens improvisadas de suas casas.

 

Como escreveu Ítalo Calvino, a cidade é uma metáfora da experiência humana. Há quem diga que vendo um núcleo urbano, a pessoa terá visto todos, por isso as cidades são invisíveis, indistintas. Os seres humanos se repetem em todos os lugares, se habitar outro planeta, ele vai ficar igualzinho à Terra, como já escreveu Drummond no poema "O homem: as viagens".

 

Eu não concordo muito com Calvino, pois Birigui é bem diferente de Araçatuba, apesar de serem lugares tão pertos. Esse amontoado de gente cria costumes próprios, se relaciona diferente, tecem outras redes. Elas não são apenas dormitórios. Tem um tecido cultural. Deixam de ser um amontoado de edifícios.

 

Se ouvir a história de um empresário que começou pequeno e cresceu, com certeza é de Birigui, embora tenha se desenvolvido em Araçatuba. A ideologia de que rico nasceu rico, não se fez, perpassa o modo de ver o mundo da terra dos araçás.

 

Nessa semana do aniversário de Araçatuba (e o leitor de outras plagas pode fazer o mesmo), saia a pé para caminhar, embora as calçadas da cidade estejam intransitáveis, mas persista.

 

Faça de conta que você não mora aqui, não conhece as autoridades locais, veja tudo com estranhamento, como se estivesse numa outra cidade. Esqueça os inimigos. Vá dormir no hotel. Com certeza, a cidade não vai ficar invisível para o seu coração.

 

*Hélio Consolaro e professor, jornalista e escritor. Membro das academias de letras de Araçatuba-SP, Andradina-SP, Penápolis-SP, Itaperuna-RJ 

 

** Este texto é de responsabilidade do autor e não reflete, necessariamente, a opinião deste veículo de comunicação

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