Opinião

Esquema bilionário no INSS expõe falhas graves na proteção aos aposentados e a urgência de reformas estruturais

"É necessário estabelecer um sistema ágil e transparente para identificação de todas as vítimas, cálculo preciso dos valores a serem restituídos e criação de mecanismos eficientes de pagamento"
Da Redação
25/04/2025 às 15h24
Foto: Divulgação Foto: Divulgação

Por Heloísa Helena Silva Pancotti

 

A descoberta de um esquema de desvio de recursos que sugou impressionantes R$ 6 bilhões dos cofres da Previdência Social nos últimos cinco anos revela uma das mais graves falhas de fiscalização e controle no sistema de proteção social brasileiro. O mecanismo fraudulento, que operava através de cobranças não autorizadas em folha de pagamento de benefícios, afetou diretamente milhões de aposentados e pensionistas, muitos deles idosos que dependem exclusivamente desses valores para sua subsistência. A sofisticação do esquema e o tempo prolongado de sua operação sem detecção apontam para graves deficiências nos mecanismos de controle interno do INSS e na governança do sistema previdenciário como um todo.

 

O modus operandi do esquema se baseava na criação de cobranças indevidas disfarçadas como contribuições associativas, valores que variavam entre R$ 30,00 e R$ 50,00 mensais e que eram debitados automaticamente dos benefícios sem a devida autorização dos titulares. O aspecto mais alarmante dessa fraude reside no fato de que 98% dos beneficiários entrevistados durante as investigações declararam nunca ter solicitado tais descontos ou sequer ter conhecimento de que estavam sendo cobrados. A ausência de um sistema eficiente de verificação de autorizações por parte do INSS permitiu que essas cobranças se perpetuassem por anos, enquanto entidades fantasmas recebiam valores sem oferecer qualquer contrapartida aos contribuintes involuntários.

 

As consequências desse esquema para os aposentados e pensionistas são particularmente graves, quando consideramos o perfil socioeconômico da maioria dos beneficiários do INSS. Para muitos idosos que sobrevivem com um salário mínimo, a subtração mensal de R$ 50,00 representa uma perda significativa em seu poder de compra, afetando diretamente sua capacidade de adquirir medicamentos, alimentos e outros itens essenciais. O caráter silencioso da fraude - com descontos realizados automaticamente sem a percepção dos titulares - agrava ainda mais a situação, pois impediu que as vítimas pudessem reagir ou buscar seus direitos de forma tempestiva.

 

A dimensão do problema ficou evidente quando a Controladoria-Geral da União identificou que, até a véspera da operação policial, cerca de três milhões de beneficiários ainda estavam submetidos a esse tipo de cobrança irregular. Esse número impressionante revela não apenas a magnitude do esquema, mas também a falha sistêmica nos mecanismos de proteção aos contribuintes. A estrutura atual do INSS mostrou-se claramente insuficiente para detectar e coibir esse tipo de irregularidade, permitindo que ela se perpetuasse por um período prolongado e causasse danos em larga escala.

 

O processo de reparação aos lesados apresenta desafios complexos que vão além da simples devolução dos valores descontados indevidamente. É necessário estabelecer um sistema ágil e transparente para identificação de todas as vítimas, cálculo preciso dos valores a serem restituídos e criação de mecanismos eficientes de pagamento. A experiência de casos anteriores mostra que processos de restituição em massa muitas vezes enfrentam obstáculos burocráticos, que prolongam injustamente o sofrimento dos prejudicados. Além disso, é fundamental que os recursos apreendidos dos envolvidos sejam efetivamente utilizados para compensar os cofres públicos e acelerar o processo de indenização.

 

As lições desse caso devem servir como catalisador para reformas profundas no sistema de controle e governança do INSS. Entre as medidas urgentes estão a implementação de sistemas mais robustos de verificação de autorizações, maior transparência nas movimentações financeiras, fortalecimento dos canais de denúncia e criação de mecanismos automáticos de alerta para irregularidades. A digitalização completa dos processos e a integração de sistemas de inteligência artificial para detecção de padrões suspeitos poderiam prevenir a repetição de esquemas semelhantes no futuro.

 

Este episódio escancara a vulnerabilidade do sistema previdenciário brasileiro frente a operações de má-fé e a necessidade premente de modernização de suas estruturas de controle. Mais do que um caso isolado de corrupção, revela uma falha sistêmica que compromete a confiança na Previdência Social e a segurança de milhões de brasileiros que dependem desses benefícios. A resposta adequada às revelações deve incluir não apenas a punição dos responsáveis e a restituição aos lesados, mas principalmente a implementação de reformas estruturais que fortaleçam definitivamente os mecanismos de proteção aos contribuintes e beneficiários do sistema.

 

*Heloísa Helena Silva Pancotti é advogada, consultora jurídica, professora e autora da obra “Previdência Social e transgêneros”

 

** Este texto é de responsabilidade do autor e não reflete, necessariamente, a opinião deste veículo de comunicação.

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