Opinião

E a picanha: é de Direita ou de Esquerda?

"Essa leitura inicial aponta que não é verdade que nos governos de esquerda se consumiam mais picanha"
Da Redação
19/11/2024 às 17h40
Foto: Divulgação Foto: Divulgação

Por Danton Leonel de Camargo Bini

 

A inflação ocorre com o aumento insistente e persistente dos preços de bens e serviços na economia, ocasionado por pressões de demanda e/ou oferta. Refere-se a uma variável fundamental no cotidiano da população relacionada à redução do poder de compra dos salários. Nos últimos anos, eventos como a pandemia de covid-19 e a guerra entre a Ucrânia e a Rússia impuseram desafios para o controle do processo inflacionário no país.

 

Para as proteínas animais, na busca do entendimento da repercussão da inflação, há a imprescindibilidade de compreender a implicação do reajuste das commodities milho e soja, insumos essenciais para alimentação animal. 

 

Sob alta demanda no mercado internacional, sua disponibilidade limitada no mercado interno acarreta um encarecimento dos custos das carnes e dos ovos. 

 

Nos últimos anos, introduziu-se no debate político o poder de compra da população brasileira ao corte de carne bovina picanha, famoso pela sua suculência e sinal de status em churrascos, evento popular que reúne familiares e amigos. 

 

Em 2022, durante campanha para presidência da República Federativa do Brasil, o presidente Luiz Ignácio Lula da Silva enfatizou em seus discursos que o povo iria voltar a comer picanha no país. Desmistificando a retórica, propôs-se nessa pesquisa analisar o poder de compra do salário em quilos de picanha a partir da série histórica do IEA (Instituto de Economia Agrícola).

 

Para confecção desse trabalho, as estatísticas de preços foram obtidas no Banco de Dados do IEA da Secretaria da Agricultura e Abastecimento do estado de São Paulo.

 

Existente desde janeiro de 2007, analisou-se a série histórica mensal do preço da picanha no varejo da cidade de São Paulo até junho de 2024. No caso do salário-mínimo, considerou-se a tabela regional sancionada em 2007 pelo estado de São Paulo sob formulação da Secretaria de Desenvolvimento Econômico.

 

De mês a mês, calculou-se quantos quilos de picanha se comprava com um salário-mínimo. Para identificar quais gestões apresentaram melhores preços para o consumidor de baixa renda, dividiu-se as ocorrências entre partes iguais: pela metade, em decis e em semestres.

 

Para saber quais governos tiveram melhor poder de compra analisou-se aqueles que superaram o percentual de ocorrência de toda a amostra nos estratos superiores de melhores condições de consumo de picanha. Por último se apresenta o consumo médio em cada grupo analisado.

 

Dos 210 meses analisados, 130 meses foram governados por governos de esquerda (presidentes Lula e Dilma). Isso representa 61,9% da amostra. Os outros 80 meses foram governados por governos de direita (Temer e Bolsonaro), com 38,1%.

 

Na busca de se verificar as representações do poder de compra desses governos na carne bovina picanha, classificou-se os 210 meses do maior ao menor poder de compra.

 

Para exemplificar, o mês com maior poder de compra foi abril de 2007, quando o salário-mínimo comprava 25,13 quilos de picanha. O pior mês foi dezembro de 2021, quando o salário-mínimo comprava 14,88 quilos. Primeiramente dividimos essa amostra pela metade. 

 

Dos 105 meses com melhor poder de compra de picanha pelo brasileiro, 55 aconteceram em governos de esquerda (42,3% dos meses governados por esse grupo) e 50 em governos de direita (62,5% dos meses em que estiveram no poder). 

 

Essa leitura inicial aponta que não é verdade que nos governos de esquerda se consumiam mais picanha. Quando dividimos a amostra por decis (em dez pedaços), o topo da classificação novamente mantém os governos de direita com maior presença no poder de compra, 12,5% de seu total. 

 

Os governos de esquerda se posicionam com 8,4% de sua amostra. Por último, quando dividimos por semestre, os governos de direita novamente despontam com maior representação, apresentando nos seis melhores meses de poder de compra de picanha 2,5% de sua amostra, enquanto os governos de esquerda colocam 2,2%.

 

Quando se faz o inverso, ao se analisar as piores classificações, na segunda metade da lista dos 210 meses analisados, os governos de esquerda apresentam 57,7% da sua amostra, ao passo que os governos de Direita se localizam nessa fração em 42,3% da amostra.

 

Contudo, separadas em decis, encontra-se a fragilidade do poder de compra apresentado pelo período governado pela direita no Brasil: dos 21 piores meses para se comprar o corte picanha, 16 meses estiveram sob gestão da Direita, em específico no governo de Jair Bolsonaro, entre os anos de 2021 e 2022.

 

Essa realidade calhou na crítica feita em campanha eleitoral para presidência da República em 2022. Mesmo assim, quando se olha por semestre, dos seis piores meses, 4 ficam nesse intervalo apontado anteriormente sob a gestão Bolsonaro e 2 meses sob a gestão de Lula entre 2008 e 2010.

 

Para finalizar, quando se fala em média nos 130 meses governados pela esquerda, a capacidade de compra foi de 20,07 quilos, enquanto nos outros 80 de gestões de direita ficou em 20,06 quilos. Parafraseando o ditado popular: “é tudo picanha do mesmo saco”.


Danton Leonel de Camargo Bini, Doutor em Geografia pela USP, Pesquisador Científico do Instituto de Economia Agrícola (IEA) da Secretaria da Agricultura e Abastecimento do Estado de São Paulo.

 

**Este texto é de responsabilidade do autor e não reflete, necessariamente, a opinião deste veículo de comunicação.

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