Opinião

Dia das Crianças: pelo direito de brincar nas ruas

"... uma das características dos humanos que possibilitaram que chegássemos, enquanto espécie, até aqui, foi a convivência em grupos..."
Da Redação
12/10/2024 às 09h51
Foto: Divulgação Foto: Divulgação

Por Graciela Aparecida Franco Ortiz

 

Os nascidos nos anos 70, 80 até início dos anos 90 tiveram uma infância marcada pelas brincadeiras de rua, pela ida na casa dos amigos, pelo corre-corre das praças; tínhamos, logo que aqui me incluo, um determinado senso de pertencimento ao espaço público, e este nos parecia seguro. 

 

Lembro que morando em Braúna, uma cidadezinha pequena do interior, sempre me reunia com amigos para brincar em frente de casa, numa vasta área campal, andávamos de bicicleta, e nos aventurávamos de patins na rampa da rodoviária.

 

Como ‘alternativa’ ao brincar livre, tínhamos apenas os programas infantis da TV aberta: show da Xuxa, Castelo Ratimbum, Tv Globinho e Bom dia e CIA, com horas marcadas e intervalos intermináveis, nos davam a noção da espera e o suspense sobre o que iria acontecer amanhã na Caverna do Dragão.

 

Nossa infância estava imersa a outros problemas, tais como a palmada ser algo aceito como forma de correção e educação, a educação pública ainda caminhava para se tornar acessível a todos, e outras questões que foram melhorando nas últimas décadas, mas se tem algo que me atrevo a dizer que talvez fosse melhor, era essa sensação de segurança que a rua nos trazia, e que por isso podíamos brincar e encontrar com os amigos neste espaço.

 

A nossa forma de comunicação era a brincadeira, o telefone fixo e as cartas, inclusive colecionávamos papeis de carta e tínhamos Cadernos de Respostas.

 

Já os nascidos a partir de 1995, a chamada Geração Z, foi a primeira geração a nascer na era digital, e isso impactou diretamente a forma de ser criança, principalmente na zona urbana e nos grandes centros; mas tais impactos foram se estendendo aos interiores, as cidades pequenas.

 

Talvez o primeiro impacto ao nascer com um smartphone na mão, já tendo foto na internet e um perfil em alguma rede social, tenha sido a diminuição da interação social presencial e isso, por si só, trouxe grandes prejuízos ao desenvolvimento das nossas crianças e adolescentes, e muito possivelmente para nós, adultos também, logo que também não largamos o celular, mas devido à nossa idade, já temos o cérebro desenvolvido e nossa capacidade de escolha.

 

E este impacto merece destaque, pois é importante pensarmos que uma das características dos humanos que possibilitaram que chegássemos, enquanto espécie, até aqui, foi a convivência em grupos, ou seja, lá nos primórdios, quando vivíamos na natureza, foi o agrupamento que nos salvou da fome e dos perigos dos predadores; desenvolvemos a comunicação e tudo que conhecemos hoje na interação social, no contato físico e próximo entre nós. Somos, enfim, sujeitos sociais.

 

Então quando privamos nossas crianças do convívio livre e da interação corpo a corpo, olho no olho, possivelmente estejamos privando-as de um desenvolvimento saudável.

 

Hoje é tido como normal uma criança de 10 anos (ou antes) ter o seu smartphone, e isso me leva ao início do livro “A Geração Ansiosa ”, de Jonathan Haidt, que iguala tal situação a deixar essa mesma criança viajar para Marte sozinha, pois assim como o referido planeta, a internet é um campo vasto e desconhecido; o autor ainda questiona: deixamos nossas crianças e adolescentes dirigirem, consumirem bebida alcoólica? Então por que deixamos elas com acesso livre a internet?

 

Muitos de nós possivelmente vamos responder a esta pergunta justificando que não temos tempo para ficar exclusivamente com nossas crianças, então as telas terminam por ser uma alternativa, e essa justificativa normalmente vem acompanhada da afirmação sobre os riscos que a rua apresenta nos dias de hoje, e tudo isso é verdade!

 

Temos então que os nascidos a partir dos anos 1995 vivenciam uma insegurança social e tem nas telas e na internet o “refúgio protegido e seguro!”

 

Tal fenômeno caracterizado pela superproteção no mundo real, fenômeno que também nesse início na década de 1990, e uma parcial ou total desproteção no mundo virtual com acesso de crianças e adolescentes a smartphones, tem sido estudado por inúmeros pesquisadores da área da infância, que vem alertando para os riscos para a saúde mental desse público, logo que as pesquisas tem vinculado o uso e abuso precoce da internet, em especial das redes sociais, ao aumento das taxas de depressão, ansiedade, déficit de atenção em crianças e adolescentes.

 

Fato é que, é nossa responsabilidade enquanto família, sociedade e Estado proteger as crianças dos riscos (conhecidos e desconhecidos) do mundo virtual, assim como possibilitar o brincar livre permitindo que elas vivenciem os riscos do mundo real. E aqui me refiro a brincar na terra, correr na chuva, encarar a possibilidade de cair da bicicleta, dos conflitos com os amigos, ao planejamento das brincadeiras.

 

É só a partir da vivência destes riscos que as crianças vão desenvolver capacidade de lidar com os desafios da vida, vão adquirir condição emocional para interagir com segurança e confiança com as pessoas e com as situações que enfrentam e vão enfrentar ao longo de seu desenvolvimento. 

 

Cabe a nós construirmos ruas, praças, escolas, condições nas quais as crianças se sintam seguras e possam se aventurar, possam descobrir o mundo, conviver com as pessoas e com a natureza. Fica aqui então, o convite para que neste Dia das Crianças, possamos assumir o compromisso com o desenvolvimento saudável delas, e talvez isso passe por deixar o seu celular de lado, parar de ler esse artigo e inventar uma brincadeira com sua criança agora, vai lá!

 

Graciela Aparecida Franco Ortiz

Mãe da Mariah (7a), Assistente Social, Licenciada em Pedagogia e Educadora Parental

 

** Este texto é de responsabilidade do autor e não reflete, necessariamente, a opinião deste veículo de comunicação

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