Por César Franzói
O Brasil vive, há anos, um cenário de polarização política marcada não apenas por disputas ideológicas, mas também por uma memória coletiva seletiva. Personagens centrais na política nacional, hoje situados em campos opostos, compartilham trajetórias que se cruzam justamente nos episódios mais emblemáticos de corrupção no país.
Valdemar Costa Neto, atual presidente nacional do Partido Liberal (PL), legenda que abriga o ex-presidente Jair Bolsonaro, foi condenado na Ação Penal 470 - o chamado mensalão - a 7 anos e 10 meses de prisão pelos crimes de corrupção passiva e lavagem de dinheiro. Seu companheiro de cela, à época, foi José Dirceu, ex-presidente nacional do Partido dos Trabalhadores (PT), condenado a 10 anos e 10 meses por corrupção ativa e formação de quadrilha.
O rompimento entre PL e PT, historicamente aliados em determinados momentos, resultou da intensificação das divergências políticas e ideológicas. A reorientação do PL para sustentar o bolsonarismo consolidou a separação entre os partidos, ampliando a disputa pública entre seus representantes. Fatores como incompatibilidade programática, pressões internas, rearranjos eleitorais e cálculos estratégicos contribuíram para o distanciamento definitivo.
Resta, porém, uma indagação inevitável: trata-se realmente de um rompimento irreconciliável ou de mais um movimento estratégico para preservação de poder em um ambiente político que se reinventa para sobreviver?
Independentemente da motivação, persiste uma inquietação: como parte significativa da população ignora o histórico criminal de figuras centrais das atuais forças políticas rivais? O debate nacional tornou-se, em grande medida, uma disputa entre grupos apaixonados que defendem seus líderes com fervor, ainda que esses líderes tenham protagonizado alguns dos maiores escândalos de corrupção já registrados no país.
A reflexão ecoa a frase célebre do personagem Coronel Nascimento, do filme Tropa de Elite 2: “O sistema entrega a mão para salvar o braço. O sistema se reorganiza, articula novos interesses, cria novas lideranças. E custa caro. Muito caro. O sistema é muito maior do que eu pensava. Não é à toa que entra governo, sai governo, a corrupção continua. O sistema é foda”.
A obra sintetiza a percepção de que estruturas de poder tendem a se recompor, independentemente de mudanças de governo. A questão que se impõe é: até quando a sociedade continuará a aceitar lideranças marcadas por práticas ilícitas? Até quando a paixão política servirá de justificativa para tolerar erros evidentes, apenas porque partem do “lado” preferido?
A resposta, infelizmente, parece distante, dada a persistência da polarização e a resistência em enfrentar o passado com a seriedade necessária.
César Franzói é advogado em Birigui
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