O TJ-SP (Tribunal de Justiça de São Paulo) suspendeu o deferimento do processamento do pedido de recuperação judicial da Santa Casa de Araçatuba, em ação que tramita na Justiça de São José do Rio Preto.
A decisão atende a agravo ingressado pela CPFL Paulista, que é credora do hospital, e argumenta que a lei de regência não se aplica a associações sem fins lucrativos. Cita ainda que o hospital não é agente empresário e não se encaixa no art. 1º da LREF (Lei de Recuperação de Empresas e Falência).
A companhia alega ainda que a Santa Casa já goza de benefícios sociais e não possui registro na Jucesp (Junta Comercial do Estado de São Paulo), não atendendo ao requisito do art. 51 da LREF.
No relatório, o desembargador Grava Brasil cita que o Ministério Público foi favorável ao processamento da recuperação judicial, levando em consideração que ao formular o pedido, o hospital renunciou, tacitamente, à prerrogativa de não se sujeitar à falência e aos benefícios fiscais próprios das associações sem fins lucrativos.
Para empresas
Ao decidir pela extinção do processo, sem julgamento de mérito, o desembargador justificou que a recuperação judicial é destinada ao empresário, à sociedade empresária, não à associação civil sem fim lucrativo, que busca fim eminentemente social. Ele acrescentou que o benefício da recuperação judicial é atrelado à possibilidade de falência.
“Como se percebe, a condição de empresário ou de sociedade empresária se faz presente na medida em que se exige o exercício regular da atividade, a condição de não ser falido ou de não ter ocorrido a condenação por crimes previstos na LREF. Ora, a associação civil não é passível de falência”, cita na decisão.
Grava Brasil informa ainda que é desconhecido eventual pedido de falência com esse fim ou de autofalência ou de sujeição de seu administrador a responder por crime falimentar. “Uma coisa está necessariamente jungida à outra, a recuperação judicial é um pacote que vem junto com a falência”.
Fim social
O desembargador justifica que a associação civil de fins não lucrativos é movida por um fim social, divorciado do lucro, mas pode ocorrer déficit, diante da necessidade de se manter a atividade filantrópica.
Também cita que a recente reforma da LREF não ampliou o leque das pessoas jurídicas com acesso à recuperação judicial, “sendo legítimo considerar que o legislador intencionalmente excluiu as associações civis do rol dos legitimados ativos, de forma que a ampliação desse rol, pela via judicial, implica, com a devida vênia, em um certo ativismo judiciário, indo além do que diz a norma e da intenção de quem a produziu”, descreve.
“Vale ressaltar que a LREF está inserida no campo do direito empresarial ou direito comercial, de forma que a aplicação da legislação especial à requerente implicaria em reconhecer sua natureza empresarial, de sujeição às normas que são próprias do empresário ou da sociedade empresária”, acrescenta.
Ainda de acordo com o entendimento do desembargador, o tratamento tributário é diferenciado em relação às associações civis beneficentes sem fins lucrativos. Para ele, equipará-las no âmbito recuperacional equivaleria a conceder o bônus, sem necessidade de arcar com o ônus. “Aliás, de se considerar que a agravada se beneficia de linhas de crédito especiais” , cita. E complementa: “Em poucas palavras, não há como admitir a recuperação judicial de pessoa que não está apta a ter a falência decretada”.
Recursos
Para o relator, no caso da Santa Casa de Araçatuba, o atendimento à saúde não reclama o favor legal da recuperação judicial, mas a atenção do poder público, como, por exemplo, a diligência no repasse das verbas conveniadas, como as decorrentes do SUS (Sistema Único de Saúde).
E cita a necessidade de um olhar atento à profissionalização da administração do hospital, quer pela importância da atividade, quer por gerir recursos originários de verbas públicas e, também, de doações.
O desembargador cita que o deferimento da recuperação judicial para associação civil dedicada a prestar serviço público (de saúde, no caso) pode encarecer o crédito e gerar dificuldade ou resistência das entidades bancárias em fornecer crédito, devido a certa insegurança jurídica na admissão de recuperação judicial cuja convolação em falência é duvidosa.
Por fim, cita a importância da atividade desenvolvida pela Santa Casa, que antes de tudo constitui um dever social do estado. “Enquanto direito social inalienável e constitucionalmente protegido, não pode ser direcionada a uma legislação especial que não lhe é própria, em substituição de mecanismos públicos que deveriam estar atentos a situações de crise no setor de saúde, com adoção das providências pertinentes”, finaliza.
Hospital pode pedir efeito suspensivo
Ao ser procurado pela reportagem no final da manhã, o escritório Cesar Peres Dulac Müller, em conjunto com o escritório Santos Perego e Nunes da Cunha Advogados Associados, que representam a Santa Casa de Araçatuba no processo de recuperação judicial, informam que o hospital tem 15 dias para recorrer da decisão que suspendeu a ação.
Em nota, os advogados explicam que pode solicitar também, um efeito suspensivo para a decisão do TJ-SP. "Se o efeito suspensivo for concedido, o processo de recuperação judicial poderá continuar até que haja um julgamento definitivo do recurso. Por ora, não há mudanças em relação à situação da instituição", afirma.
Ainda de acordo com os escritórios, em casos semelhantes envolvendo outros hospitais filantrópicos no Estado de São Paulo, foi concedido o efeito suspensivo da decisão do Tribunal, permitindo que o processo de recuperação prosseguisse normalmente.
"Desde o início do processo, a Santa Casa tem se esforçado para manter um diálogo aberto com os credores e buscar soluções para seus desafios financeiros, o que tem gerado melhorias na operação, ainda que o avanço seja lento", informa a nota.
O hospital reafirma ainda o compromisso de garantir a longevidade da instituição e a qualidade dos serviços assistenciais prestados à população, com a expectativa de, em breve, poder compartilhar novos avanços desse projeto.