O CNJ (Conselho Nacional de Justiça) determinou que a servidora do Fórum de Araçatuba (SP) que denunciou um juiz por suposto assédio sexual, tenha acesso aos autos do processo administrativo disciplinar que apura o caso no TJ-SP (Tribunal de Justiça de São Paulo).
De acordo com a assessoria de imprensa do próprio conselho, o acesso havia sido negado pela desembargadora que relata o PAD. Pela decisão do Plenário, durante a 16ª Sessão Ordinária realizada na terça-feira (25), foi determinada a inclusão da denunciante como interessada no PAD, com direito a ter vista dos autos, obter cópias de documentos e conhecer as decisões proferidas.
A vítima também poderá requerer a produção de provas, acompanhar os atos instrutórios, inclusive com a formulação de perguntas às testemunhas e ao magistrado processado, além de apresentar alegações finais e realizar sustentação oral, desde que acompanhada de advogado ou de defensor público.
Denúncia
Conforme foi divulgado, o processo administrativo disciplinar contra o magistrado de Araçatuba foi instaurado em junho, por decisão unânime dos desembargadores integrantes do Órgão Especial do TJ-SP.
Ele também é investigado por possível assédio moral e por desvio de função, acusado de pedir para servidores realizarem trabalhos acadêmicos para ele, e de faltas funcionais, por atrasar início de audiências de custódia e demorar para assinar alvarás de soltura, entre outras irregularidades.
A investigação teve início em 2024, mas o suposto assédio teria começado em 2021, a partir de um comentário feito pelo juiz sobre o bumbum da vítima, por meio de gestos com as mãos, durante o trabalho no Fórum. Após esse comentário, ele a teria convidado para trabalhar no gabinete dele e outros episódios teriam acontecido.
Casos
Um dos relatos é de que o juiz a teria encontrado em uma concessionária de veículos em outra cidade, quando teria insistido para que ela tomasse um chope com ele, o que foi recusado. Ele também teria pedido para ver as tatuagens da subordinada, incluindo uma que ela tem no tórax, considerada íntima pela vítima.
Na denúncia, a servidora relatou que o magistrado mudou de comportamento depois que ela encaminhou a ele, matéria publicada na imprensa sobre um juiz do trabalho afastado do cargo, acusado de assédio contra uma servidora. Ela tomou a iniciativa para demonstrar que estava descontente com a situação.
Por fim, em outra ocasião, o juiz a teria chamado no gabinete dele e pedido para que deixasse sentir o cheiro dela, querendo saber que perfume ela estava usando. E já em 2024, teria perguntado se ela faria uma massagem nos pés dele, caso ele precisasse, pois ele estava em tratamento e sentia muitas dores.
Apuração
O caso foi denunciado pela vítima à Ouvidoria da Mulher do CNJ (Conselho Nacional de Justiça) e à OAB (Ordem dos Advogados do Brasil). Ela também registrou boletim de ocorrência por assédio sexual, que resultou na instauração de inquérito, que tramita no Órgão Especial do TJ-SP.
Ao decidir pela inclusão da vítima como terceira interessada no Processo Administrativo Disciplinar referente à denúncia, a relatora do Procedimento de Controle Administrativo, conselheira Renata Gil, justificou que o tratamento processual diferenciado se justifica pela perspectiva de gênero e pelos compromissos internacionais voltados à proteção às mulheres vítimas de violência.
Ela argumentou que o assédio sexual não é uma infração disciplinar comum, pois trata-se de uma conduta que atinge gravemente a dignidade, a integridade psíquica, a liberdade sexual e a honra da vítima. “Seus efeitos não se circunscrevem ao momento da agressão, mas reverberam profundamente na trajetória profissional da mulher ofendida”, destacou.
A relatora explicou que até então não havia previsão normativa da intervenção da terceira interessada, mesmo que se tratasse de quem denunciou o caso. Porém, ela entende que a vítima não pode ser considerada indiferente aos fatos. “Seu interesse é qualificado e fundamentado por sua dignidade, honra e credibilidade”, destacou.
Gravidade
Renata Gil afirmou ainda que é preciso reconhecer a gravidade das ações sofridas e que excluir a vítima desse processo é negar reconhecimento dos fatos e impedir de verificar se seu testemunho está sendo considerado de maneira correta ou se estão tentando minimizar sua declaração.
Para a relatora, mesmo sem a concordância do requerido, a vítima deve ter o direito de participar como interessada, já que atende princípios superiores, como dignidade da pessoa humana.
Exposição
Por fim, ela explicou que a intimidade da pessoa assediada é exposta nesses processos, sendo necessária a criação de mecanismos judiciais e administrativos justos e eficazes que assegurem a reparação material, moral e simbólica à mulher vítima de violência. “O direito de informação e de acesso permitem que ela perceba que sua denúncia teve um resultado. A partir disso, pode reconstruir sua narrativa de vida”, finalizou.
Segundo o CNJ, para os outros conselheiros e conselheiras, a aprovação do pedido representa não apenas um avanço jurisprudencial, mas também civilizatório, de forma a demonstrar que a vítima, em uma situação dessa natureza, deve ser tratada como tal.
Desde agosto, o juiz investigado integra a 1ª Turma Recursal Cível do TJ-SP (Tribunal de Justiça de São Paulo). A transferência é válida até 31 de dezembro, em substituição à juíza Mariella Ferraz de Arruda Pollice Nogueira.