Justiça & Cidadania

MP quer que juiz e acompanhante sejam julgados pelo Tribunal do Júri pela morte de Thaís Bonatti

Foram denunciados por homicídio com dolo eventual, pois promotor entendeu que os dois assumiram o risco; para o Ministério Público, o denunciado agiu como um "descivilizado”
Lázaro Jr.
13/11/2025 às 20h05

O Ministério Público em Araçatuba (SP) denunciou o juiz aposentado de 61 anos e a acompanhante dele, de 25 anos, por homicídio com dolo eventual, e quer que os dois sejam julgados pelo Tribunal do Júri pela morte da garçonete Thais Bonatti de Andrade, 30.

 

A vítima foi atropelada pela caminhonete conduzida pelo juiz, no final da manhã de 24 de julho, quando seguia de bicicleta pela rotatória da Cobrac, entre a avenida João Arruda Brasil e a avenida Waldemar Alves.

 

Apesar de ter sido levada para atendimento médico na Santa Casa, onde permaneceu em tratamento intensivo, ela teve a morte constatada na madrugada do dia 26. Os dois acusados foram indiciados pela Polícia Civil por homicídio culposo, que é praticado sem intenção.

 

Porém, o caso foi encaminhado ao promotor de Justiça Adelmo Pinho, que é o responsável por representar o Ministério Público nos processos relacionados a crimes contra a vida. Ele entendeu que é caso de julgamento pelo Tribunal do Júri.

 

Agora, é preciso aguardar se a Justiça irá ou não acatar a denúncia. Em caso de condenação de acordo com a denúncia, a pena pode variar de 12 a 30 anos de prisão.

 

Indenização

 

A Promotoria de Justiça também pede na denúncia, que os acusados sejam condenados ao pagamento de indenização aos familiares de Thaís, a qual descreve como pessoa jovem de apenas 30 anos, e trabalhadora.

 

Levando em consideração a capacidade financeira do autor do atropelamento, Pinho pede que a reparação dos danos materiais e morais com relação a ele seja estipulada em pelo menos R$ 500.000,00. No caso da passageira da caminhonete, pede o pagamento de pelo menos R$ 50.000,00.

 

Dolo Eventual  

 

Na denúncia, Pinho cita que a conduta do denunciado, em concurso com a denunciada, revelou, desde o seu início, que ele assumiu o risco de produzir o resultado – morte da vítima, aceitando o resultado. 

 

“O denunciado, na companhia da denunciada, ingeriu bebida alcoólica na boate por cerca de 10 horas seguidas. De forma concomitante, ingeriu os fármacos Revoc e Carbolitium, potencializadores dos efeitos do álcool”, cita, acrescentando que o juiz aposentado estava embriagado no momento do atropelamento e confessou ter ingerido remédio e bebida alcoólica na boate onde passou a noite.

 

O promotor cita que ele parou a caminhonete em via de fluxo intenso de pessoas e de veículos, especialmente no horário em que aconteceu o atropelamento, devido à proximidade com dois supermercados.

 

Além disso, abriu a calça e permitiu que a acompanhante sentasse seminua em seu colo, de costas para ele, prejudicando ainda mais a já reduzida capacidade de condução do veículo. Na sequência, acelerou a caminhonete e atropelou a vítima, sem qualquer reação de frenagem, passando com as rodas do veículo sobre o corpo dela.

 

“Evidente, portanto, que não se cuidou de crime culposo, causado por imprudência, imperícia ou negligência. O denunciado agiu de modo consciente desde que saiu da boate, de que poderia gerar danos a terceiros, a si e à denunciada”, cita.

 

O promotor destaca que o juiz aposentado foi orientado a não dirigir estando embriagado, mas prosseguiu de forma voluntária, quase colidiu com um motociclista, não desistiu de conduzir o veículo e ainda trafegou pela contramão de direção em outra rua.

 

Relação sexual

 

“O dolo eventual fica ainda mais evidente quando o denunciado e a denunciada se propõem a tentar manter relação sexual no interior do veículo, com este em movimento, numa via pública de grande fluxo de veículos, por volta de 10 horas da manhã, no local em que se situa supermercados de grande porte desta cidade”, consta na denúncia.

 

Para o Ministério Público, ao estar com o zíper da calça aberta e o cinto solto, enquanto a passageira encontrava-se seminua sobre o colo dele, deixou evidente a intenção de ambos em manterem relação sexual com o veículo em movimento. 

 

“O denunciado, em específico, como juiz de direito aposentado, é conhecedor das leis (além, cediço, do que é certo e errado) e tinha plena consciência de que não poderia dirigir inebriado, quiçá tentar fazer sexo com a denunciada no período matutino (às claras), no interior de um veículo em movimento e numa via pública de grande fluxo, gerando perigo comum”, cita a denúncia.  

 

Descivilizado

 

Para o Ministério Público, o denunciado agiu como um "descivilizado”. “Sua conduta, além de contrariar a lei penal, viola a civilidade e a moral média, distanciando-se, certamente, da moral kantiana. No mesmo sentido, por sua vez, trilhou a denunciada, ao aderir, ao final, à conduta daquele”, cita.

 

Diante de tudo o que foi apurado durante a investigação, para a Promotoria de Justiça, houve na conduta do denunciado – em concurso com a denunciada -, violação grave ao dever de cuidado. “O denunciado, desse modo, previu o resultado, aceitando-o como possível ou provável, prosseguindo, mesmo assim, com a sua reprovável e criminosa conduta”, cita.

 

E acrescenta: “Todas as graves condutas acima descritas foram cometidas em um percurso de apenas 750 metros e em aproximadamente 3 minutos. Todas essas ações e circunstâncias comprovam, indubitavelmente, que o denunciado, em concurso com a denunciada, agiu com dolo eventual e não houve conduta culposa (acidente), equivocando-se a autoridade policial”.

 

Concorreu

 

No entendimento do Ministério Público, a passageira da caminhonete concorreu para o crime e contribuiu diretamente para a morte da vítima. “A denunciada sabia do estado de ebriez do denunciado, pois o acompanhou durante toda a noite na boate, ambos ingerindo bebidas alcoólicas. Mesmo assim, aceitou estar como passageira no veículo”, cita a denúncia.

 

Para o promotor, ao sentar no colo do condutor da caminhonete para manterem relação sexual, durante a condução do veículo, em plena via pública, sabendo do estado de embriaguez dele, ela contribuiu de forma relevante para o atropelamento da vítima.

 

“O comportamento da denunciada, a par de despudorado, contribuiu eficazmente para o resultado, tornando-se criminoso, portanto, considerando, também, que potencializou para o fato de o denunciado distrair-se, atrapalhar a visão, perder o controle sobre o veículo e deixar de se atentar para o trânsito ao seu redor, em específico à frente, onde transitava a vítima na bicicleta"

 

Qualificadoras

 

Diante de tudo o que foi apresentado, o Ministério Público denunciou os dois investigados por homicídio com dolo eventual qualificado pelo emprego de meio que resultou em perigo comum e recurso que dificultou a defesa da vítima.

 

“Assim, ambos os denunciados devem ser responsabilizados pelo grave crime com as qualificadoras do emprego de meio que resultou perigo comum e do recurso que dificultou a defesa da vítima, pois assumiram o risco do resultado causado, aceitando-o, portanto, ao agir como agiram, em especial, com menosprezo à vida alheia, bem como ao pudor e à decência que se espera numa sociedade civilizada”, finaliza a denúncia.

 

Caso

 

Conforme já divulgado, o juiz e a acompanhante chegaram à boate onde ela trabalhava 0h20 daquela madrugada. Ele teria ingerido cerveja, champanhe e uísque, e deixado o local por volta de 10h20 da manhã, para levá-la de volta para casa.

 

Quando já estava na condução da caminhonete, tendo a acompanhante ao lado, ele teria sido abordado por um motorista por aplicativo e pelo proprietário da casa noturna, que tentaram convencê-lo a não dirigir o veículo, por estar embriagado.

 

O juiz não teria atendido aos pedidos e ao deixar o local, quase atingiu um motociclista que trafegava pela avenida Governador Mário Covas, ainda nas imediações da boate. Apesar disso, seguiu o trajeto, aceitando o risco de produzir resultado lesivo a terceiros, de acordo com a denúncia.  

 

Acompanhados

 

O promotor descreve ainda que o motorista por aplicativo que havia conversado com ele anteriormente decidiu acompanhar a caminhonete. A polícia também teve acesso a imagens de câmeras de monitoramento que mostram o veículo ocupado pelos denunciados, trafegando pela contramão de direção na rua Tibiriçá, antes de acessar a Porangaba.

 

Já na avenida João Arruda Brasil, depois de percorrer alguns metros, visando manter relação sexual com a passageira, de acordo com a denúncia, o juiz parou o veículo. Ele teria aberto o zíper da calça, soltado o cinto e em seguida, a acompanhante sentou no colo dele, seminua.

 

Consta na denúncia que há imagens dessas ações. Ainda nessas condições, a caminhonete foi colocada em movimento, vindo a atropelar Thaís, que seguia com a bicicleta.

 

Embriaguez

 

O juiz aposentado recusou o teste do bafômetro, mas o exame clínico concluiu que ele estava embriagado, apontando sinais como “hálito etílico, sonolência, pupilas pouco reativas, ataxia e desorientação”.

 

A denúncia relata ainda que o laudo necroscópico concluiu que a vítima morreu em decorrência de politraumatismo causado pelo atropelamento e que as câmeras do supermercado existente no local registraram o momento do atropelamento.

 

O promotor inclui na denúncia, os depoimentos do motorista por aplicativo que seguiu a caminhonete desde a saída da casa noturna, que informou que o juiz aposentado só parou com a intervenção de outra testemunha.

 

Essa pessoa, de acordo com ele, após o atropelamento aproximou-se da caminhonete e pediu que o denunciado retornasse ao local. O denunciando teria respondido de forma hostil, por isso, foi retirada a chave da ignição, para impedir que o juiz aposentado deixasse o local.

 

Seminua

 

Também consta na denúncia relato de uma testemunha que disse ter visto que após o atropelamento, o condutor da caminhonete apresentava sinais de embriaguez e estava com o zíper da calça aberto e o cinto solto. Já a passageira do veículo cobria os próprios seios, segurando a camiseta.

 

A testemunha que tirou a chave do veículo confirmou que após o atropelamento correu atrás da caminhonete e viu a passageira com os seios à mostra e com a saia jeans erguida acima da cintura. Disse ainda que ela estava parcialmente nua, sentada no colo do motorista momentos antes do acidente, além de haver garrafas de cerveja abertas no assoalho do veículo.

 

Os policiais militares que atenderam a ocorrência confirmaram que o juiz aposentado apresentava sinais de embriaguez e recusou o teste do bafômetro. E o laudo local do atropelamento aponta que não foram encontrados sinais de frenagem.

 

O proprietário da boate onde o casal passou a noite, segundo a denúncia, disse em depoimento que o denunciado pagou para umas mulheres, cerca de oito garrafas de champanhe, quatro litros de uísque e teria consumido duas long necks de cerveja.

 

Porém, alegou não possuir nenhum documento do consumo dele naquele dia. Ele contou ainda que propôs ao juiz aposentado que descansasse no local para não sair dirigindo, mas ele teria recusado.

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