A Promotoria de Justiça Eleitoral de Birigui (SP) ingressou com uma AIJE (Ação de Investigação Judicial Eleitoral) requerendo a cassação dos registros do prefeito eleito de Brejo Alegre, Rafael Alves dos Santos, e do vice eleito na chapa dele nas eleições de outubro, Wilson Marques Leopoldo, por fraude eleitoral.
Eles são acusados de fazer o alistamento e a transferência de eleitores de outras cidades para Brejo Alegre, visando angariar a simpatia e o apoio político. A eleição na cidade teve 2.695 votos totais, apesar de o município ter 2.565 habitantes, de acordo com o Censo de 2022 do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística). Rafael do Vava (PSD), como é chamado, foi reeleito com 1.509 votos, contra 1.104 votos da adversária, Maysa (PSDB).
Consta na ação que foi constatado que muitos eleitores que votaram não residiam em Brejo Alegre, mas sim em outras cidades, entre elas, Birigui, Promissão, Buritama, Araçatuba, Penápolis e Glicério, “configurando, claramente, a transferência fraudulenta de títulos eleitorais para Brejo Alegre, com o escopo de favorecer os demandados”.
Diante disso, o promotor de Justiça Eleitoral, Rodrigo Mazzilli Marcondes, quer que seja declarada a nulidade dos votos recebidos pelos investigados nas eleições de outubro e anuladas todas as transferências de domicílio eleitoral para Brejo Alegre no período de 2023 até a data limite de 2024.
Liminar
Ele também representou pela concessão de liminar, para que não fossem expedidos os diplomas ao prefeito e ao vice eleitos, durante o período em que tramitar a ação. Assim, eles seriam impedidos de assumir o mandato em 1º de janeiro.
Entretanto, ao aceitar a ação nesta quarta-feira (18), o juiz eleitoral Lucas Gajardoni Fernandes negou o pedido, por entender que essa seria medida drástica, que poderia impactar seriamente a administração pública local, prejudicando a continuidade dos serviços públicos e gerando transtornos irreversíveis à população.
"Inobstante a gravidade dos fatos ora investigados, a eleição pelo voto popular gera presunção de legitimidade para o exercício do mandato, a qual somente pode ser afastada por decisão judicial proferida após o devido processo legal em contraditório. Inviável adotar-se medida drástica por meio de decisão liminar, prolatada com base em mero juízo de probabilidade, sem oitiva da parte contrária", consta na decisão.
Porém, o magistrado determinou a citação dos investigados e será dada sequência na ação, que pode resultar também, na inelegibilidade do prefeito e do vice eleitos de Brejo Alegre nas eleições a se realizarem nos 8 anos subsequentes.
Denúncia
Na ação, o MP eleitoral cita que Rafael do Vava teria se utilizado da posição de prefeito, já que foi reeleito, para cooptar eleitores a transferir os títulos eleitorais para Brejo Alegre, com a declaração à Justiça Eleitoral de endereços nos quais não residem. E, segundo a Promotoria de Justiça Eleitoral, o candidato a vice teria tido participação direta na fraude.
“Resta claro que os demandados arregimentaram, de forma espúria, uma gama de eleitores residentes em outras cidades, proporcionando-lhes facilidades, como transporte, cobertura de atendimento à saúde e nomeações em concurso, dentre outras benesses”, cita na ação.
Para o MPE, tal conduta constitui manifesta captação irregular de sufrágio e abuso de poder a comprometer a legitimidade das eleições, comportamentos vedados por lei e punidos com a cassação do registro ou do diploma. “Destarte, caracterizada a conduta ilícita, a imposição de severa reprimenda é medida que se impõe”, acrescenta.
Investigação
Consta na ação que o caso passou a ser investigado após a Promotoria ser informada de que os investigados teriam induzido eleitores residentes em outras cidades a transferirem o domicílio eleitoral para Brejo Alegre. Em troca, receberiam vantagens e favores prestados com o uso da máquina pública.
O promotor cita que ao iniciar a investigação, por meio do Procedimento Preparatório Eleitoral, já chamou a atenção o fato de Brejo Alegre ter mais eleitores do que habitantes. Foi solicitado levantamento ao Cartório Eleitoral, que apontou que no período de um ano, em 2023, até a data limite para a transferência e alistamento, foram registradas 554 ocorrências, sendo 444 transferências.
“Ou seja, foram 444 votos de ‘pessoas de fora’, as quais nunca residiram na cidade, mas no ano que antecedeu a eleição e em 2024 teriam se mudado para Brejo Alegre”, cita a Promotoria de Justiça Eleitoral, acrescentando que isso evidencia uma estratégia dos investigados.
Transferências
Chama a atenção ainda, de acordo com a ação, que essas transferências representam 13,5% do colégio eleitoral de Brejo Alegre. Ao analisar os endereços fornecidos pelos eleitores transferidos no relatório enviado pelo Cartório Eleitoral, foi constatado que muitos dos novos eleitores forneceram o mesmo endereço, outro indício de fraude.
Consta na ação, que apenas um endereço na rua Coroados foi usado por 12 novos eleitores, com sobrenomes diferentes. “Esta situação se repete em diversos imóveis da cidade, conforme relatório que instrui a presente inicial e se pede vênia para trazê-lo à baila”, cita a Promotoria.
O MP Eleitoral informa que devido a “denúncias anônimas” sobre as transferências fraudulentas, a candidata derrotada Maisa Rodrigues da Silva foi intimada a comparecer na Promotoria para fornecer eventuais informações.
Outras testemunhas também foram ouvidas, “... ocasião em foram colhidos depoimentos testemunhais que vieram a confirmar a ação fraudulenta visando o arrebanhamento de eleitores por meio de transferências de domicílio eleitoral para Brejo Alegre”, cita.
Conversa
Entre as provas apresentadas pelo MPE, está o “print” de uma conversa pelo WhatsApp de um funcionário da Câmara de Birigui, que é sócio de uma empresa de informática, que teria mantido título dele em Birigui, mas o filho dele transferiu o título para Brejo Alegre.
A mensagem foi enviada após a eleição, para duas pessoas que seriam funcionários comissionados do Consórcio Intermunicipal de Saúde, órgão que havia baixado em 16 de setembro de 2024, portaria designando-os para atuarem como membros da Equipe de Apoio ao Agente de Contratação.
Na mensagem, o funcionário da Câmara de Birigui parabeniza pela reeleição do prefeito e pede para marcar uma visita para “falar sobre os softwares”. “Ou seja, iria cobrar o favor”, cita o MPE, que acrescenta: “Constata-se, assim, o uso descarado não só da máquina pública municipal em razão da condição de Prefeito, mas também o abuso da posição de presidente de consórcio de saúde em benefício político próprio, o que é inadmissível e exige sanção rigorosa” .
Nega
A reportagem procurou o Jurídico do prefeito reeleito de Brejo Alegre, que informou que ainda não foi citado da AIJE. Porém, ele nega que tenha ocorrido qualquer fraude por parte da chapa do prefeito reeleito. "Rafael e Wilson não fizeram nenhuma transferência de título para se beneficiar na campanha eleitoral", afirma.
O Jurídico argumenta inclusive que Rafael do Vava propôs uma ação de Investigação Judicial Eleitoral contra o vereador da bancada da candidata Maysa, Higor Martins, e contra a própria Maysa, afirmando que ela é quem teria sido a beneficiária da suposta fraude em investigação.