Por José Márcio Mantello
Há duas semanas perdi a presença física de meu pai. Arrefecida a dor do primeiro impacto que sofremos ao chegar a notícia, hoje, consigo refletir e escrever com maior clareza.
Sua jornada nesta terra durou 99 anos e 7 meses. Nascido em 15/10/1924, num sítio à beira do córrego do campo (Coroados), mas a época, registrado em Birigui/SP.
Em 11/12/1947 casou-se com sua única mulher, com quem conviveu por 73 anos. Tiveram e criaram 6 (seis) filhos na força do braço e da enxada. Fui o último deles, o chamado “filho da velhice”. Meu pai sempre contava que tinha receio de não me ver crescido e criado. Não só viu, como ele e minha mãe, foram agraciados com a benção e a alegria de verem nascer e crescerem 14 (quatorze) netos e, ainda, 15 (quinze) bisnetos e 2 (dois) tataranetos.
No dia de nos despedirmos, lembrei-me de uma passagem bíblica que narra o final da vida de José, conhecido como José do Egito (Gênesis 50:22-26).
O texto diz que após ter visto a sua terceira geração e dado orientações sobre para onde deveriam levar seus ossos, morreu e foi colocado num caixão e enterrado no Egito.
Fiquei pensando porque José não ordenou que em sua memória fosse erigida uma pirâmide? Afinal, havia se tornado, provavelmente, o maior governador da maior nação da época e, ali, naquela terra, o normal era levantar pirâmides (grandes túmulos) para grandes figuras e assim, não serem esquecidas. Todavia, José, como a grande maioria dos mortais, fora colocado num caixão e enterrado.
Aparentemente, corria-se o risco de ter sua história facilmente esquecida e apagada pelo tempo. Porém, hoje, estamos aqui, há mais de 3.000 anos lembrando de sua trajetória por essa terra. O que não nos permitiu esquecê-lo? Certamente, foi o fato de José ter deixado um MEMORIAL e não um monumento.
Há muitos que entendem que o grande objetivo da vida é construir um monumento a si mesmo. Os faraós egípcios são, talvez, os maiores representantes daqueles que vivem construindo monumentos para serem lembrados, mas esquecem de deixarem memoriais.
Muitos são capazes de lembrar da figura e até da história de José do Egito, mas, dificilmente saberão dizer quem foi o faraó do seu tempo.
A “permanência” além túmulo não é assegurada por monumentos, mas sim, por memoriais que podemos deixar nesse mundo, algo que sirva de exemplo para as futuras gerações; algo que possa ser digno de imitação, que inspire boas ideias, conduta e reputação ilibada.
Jesus não deixou um monumento, mas sim um memorial (o partir do pão e o beber do cálice).
Meu pai, não nos deixou nenhum monumento, literalmente, nenhuma herança material, mas, com certeza, deixou para a sua descendência memoriais de integridade, de fé, de fidelidade, de amor abnegado e incondicional, de como ganhar o pão de cada dia, sem precisar vender a alma (apenas com o suor do seu rosto).
Em tempos em que há uma corrida desenfreada para ver quem construirá o maior monumento a si mesmo, raro é encontrar quem esteja construindo e deixando um MEMORIAL para as futuras gerações.
José Márcio Mantello é advogado criminalista na comarca de Araçatuba e Teólogo
Graduado em Direito pela UNITOLEDO; Pós-Graduação em Docência do Ensino Técnico e Superior pela UNITOLEDO; Pós-Graduação em Prática Penal Avançada pelo DAMÁSIO EDUCACIONAL; Especialização em Execução Penal pelo IDPB – Rio de Janeiro
Atuação no Tribunal do Júri
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