O secretário de Segurança Pública de São Paulo, Guilherme Derrite, informou que a Corregedoria da Polícia Civil da Capital irá convidar o hacker Patrick Cesar da Silva Brito, de Araçatuba, para prestar depoimento em uma apuração preliminar que será acompanhada pessoalmente por ele.
A informação foi divulgada pelo próprio secretário, em entrevista à Rádio Auriverde Brasil, de Bauru, na quarta-feira (28). Um dia antes, a mesma rádio havia entrevistado Patrick, que afirmou em 2018 que teria sido contratado pelo ex-ministro Gilberto Kassab para "fazer um levantamento" da vida do então candidato a presidente Jair Bolsonaro e também de Adelio Bispo.
O mesmo Adelio Bispo foi preso naquele ano, após desferir uma facada em Bolsonaro, quando ele estava em campanha em Juiz de Fora. A Polícia Federal já afirmou em inquérito que o autor da facada agiu sozinho. O processo criminal que o condenou, o considerou inimputável por transtorno mental e em fevereiro, a Justiça determinou a transferência do condenado para um estabelecimento psiquiátrico.
Interferência
Na entrevista concedida à rádio de Bauru, Patrick alega que as investigações das denúncias feitas por ele não teria andamento justamente por interferência de Kassab, que atualmente é secretário de Governo e Relações Institucionais no governo Tarcísio de Freitas (Republicanos).
Ao anunciar a instauração da apuração preliminar da Corregedoria da Polícia Civil durante pronunciamento para o mesmo jornalista que entrevistou Patrick, Derrite afirmou que não há interferência política na SSP.
Ele declarou que não tem relação política nenhuma com Kassab e jamais permitiria que outro secretário interferisse politicamente na Pasta. "Ainda mais em uma investigação de extrema relevância como essa apontada pelo Patrick Brito. Eu sou o maior interessado em descobrir tudo o que ele fala. Então, nós vamos dar uma oportunidade de ouro para que ele possa trazer elementos probatórios que ele menciona em outras entrevistas", disse.
Ainda segundo o secretário, será feito o convite para o hacker ser ouvido por meio de videoconferência e com base nos documentos que ele apresentar, o que for de competência da Polícia Civil de São Paulo será encaminhado ao Ministério Público e o Poder Judiciário. O que for de responsabilidade federal, será encaminhado à Polícia Federal. "Se ele realmente trouxer elementos probatórios, essa é a grande novidade dessa apuraçao preliminar", disse.
Araçatuba e Bauru
Apesar de o pronunciamento ter sido feito um dia após a entrevista concedida por Patrick à rádio, Derrite afirmou que a apuração preliminar foi instaurada com base principalmente em ofício entregue a ele pelo vereador de Bauru, Eduardo Borgo (Novo), durante visita dele à cidade para a inauguração de uma delegacia.
Borgo é membro de uma CEI (Comissão Especial de Inquérito) instaurada pela Câmara de Bauru para investigar a invasão de dispositivos de uma vereadora e de um jornalista na cidade.
Confessou
Em depoimento prestado a essa mesma CEI no final de dezembro do ano passado, dias após deixar a prisão na Sérvia, Patrick confessou ter hackeado os dispositivos da parlamentar e também do jornalista.
Na ocasião, ele afirmou que em um ano havia hackeado mais de 300 pessoas, inclusive Bolsonaro, quando ele ainda era deputado federal, em 2018, e depois em 2020, quando já era presidente.
O hacker disse ainda que teria vazado o celular do ex-presidente em uma rede social, mas em nenhum momento citou qualquer relação da invasão dos dispositivos de Bolsonaro com Kassab e nem citou Adelio Bispo.
Ofício
No ofício apresentado ao secretário, o vereador de Bauru questiona a demora da Polícia Civil de Bauru em instaurar inquérito para investigar os supostos crimes praticados por Patrick naquela cidade, já que eles teriam sido praticados em 2022 e a investigação teria tido início em 2024.
Quando o caso em Bauru tornou-se público, no segundo semestre do ano passado, a reportagem encaminhou e-mail à assessoria de imprensa do MP-SP (Ministério Público de São Paulo). O órgão informou que havia recebido a representação no dia 30 de outubro e a denúncia seria analisada pelo Gaeco (Grupo de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado).
Já no final de novembro, a imprensa de Bauru divulgou que os promotores de Justiça haviam encaminhado o caso ao MPF (Ministério Público Federal), pois os crimes teriam sido cometidos por Patrick quando ele já estava na Sérvia.
Questionamentos
O vereador autor do ofício também questiona a investigação feita pela Corregedoria da Polícia Civil de Araçatuba, que apontou a participação de um policial civil em crimes praticados por Patrick, que foi denunciado e é réu em processo de extorsão e invasão de dispositivo do prefeito Dilador Borges (PSDB) e da primeira-dama Deomerce Damasceno.
Ao anunciar a instauração da apuração preliminar pela Corregedoria da Polícia Civil da Capital, Derrite reforçou que esse policial investigado foi afastado das funções. Ele informou ainda que o delegado citado por Patrick em denúncias feitas por ele também foi transferido e irá realizar outra função enquanto durar o procedimento.
"Isso não é uma punição ao delegado de polícia, que fique claro e registrado aqui, não é uma punição, mas é para garantir também a lisura dos procedimentos que devem ser apurados nesse âmbito", afirmou.
Por fim, o secretário de Segurança Pública argumentou que para ele não interessa se Patrick é um criminoso, pois o que quer saber é se ele tem como comprovar as acusações que vem fazendo ao longo do tempo. "Até porque o nosso objetivo é colocar um ponto final nessa história de forma transparente", declarou.
Notas
A reportagem procurou a assessoria de imprensa da SSP, que informou que a mudança de função do delegado de Araçatuba ocorreu em razão de uma readequação administrativa, sem qualquer caráter punitivo. "O delegado foi realocado funcionalmente, cessando a gratificação recebida, sem suspensão de sua devida remuneração", informa a nota.
A assessoria de Kassab também foi procurada diante das acusações de Patrick e negou qualquer relação do secretário com o hacker. "Gilberto Kassab não conhece esse sujeito e nega peremptoriamente os fatos imputados. Kassab irá tomar as medidas legais cabíveis, pese o fato de seu caluniador ser um foragido da Polícia e da Justiça brasileiras".
Patrick
Após a publicação da matéria, Patrick enviou mensagem para a reportagem por meio de um número de telefone do exterior, afirmando que provará nos autos, assim como tem feito em todos os procedimentos.
A reportagem procurou o advogado Daniel Madeira, que o representa em algumas ações, e ele confirmou que essa é a manifestação de Patrick.
Hacker já foi ouvido pela Polícia Civil de Araçatuba
Apesar de o secretário de Segurança Pública Guilherme Derrite ter afirmado em pronunciamento à Rádio Auriverde de Bauru que a apuração preliminar vai dar oportunidade para o hacker Patrick Cesar da Silva Brito falar, o que não teria sido oferecido ainda pela Polícia Civil, segundo ele, Patrick já foi sim ouvido pela DIG/Deic (Delegacia de Investigações Gerais da Divisão Especializada de Investigações Criminais) de Araçatuba.
Ele prestou depoimento no dia 4 de janeiro deste ano, em inquérito que investiga os crimes de coação no curso processo; injúria, calúnia e difamação; ameaça; falsidade documental; e exploração de prestígio.
Há ainda um segundo inquérito que apura possível crime de invasão de dispositivos, o qual foi encaminhado à Corregedoria da Polícia Civil de Araçatuba, devido a indícios de possível participação de um policial civil. Os dois processos tramitam na 1ª Vara Criminal de Araçatuba e estão em segredo de Justiça.
Preso
Patrick também haia sido ouvido em outros dois processos. Ele é acusado de invadir os dispositivos de uma advogada e já foi denunciado e é réu em processo que apura os crimes de invasão de dispositivo e extorsão contra o prefeito e a primeira-dama de Araçatuba.
Nesse segundo processo, a Justiça de Araçatuba expediu o mandado de prisão preventiva contra ele, o qual foi cumprido pela Interpol em 23 de dezembro de 2022, na Sérvia.
O hacker permaneceu preso até 22 de dezembro de 2023, quando teve direito à liberdade, já que pela lei local, nenhuma pessoa pode ficar encarcerada por mais de um ano por crime que tenha cometido em outro país.
Segundo o que foi apurado pela reportagem, a Justiça de Belgrado, capital da Sérvia, já decidiu favorável à extradição de Patrick, que entrou com pedido de asilo naquele país. Porém, ele recorreu da decisão.
Sem resposta
A reportagem já procurou o Ministério da Justiça e Segurança Pública pedindo informações sobre o andamento do pedido de extradição de Patrick, mas a resposta é que o órgão não comenta casos específicos em andamento, pois correm em sigilo.
No dia 14 de agosto a reportagem também procurou a assessoria de imprensa da Polícia Federal, pois um blog de Bauru publicou que o hacker de Araçatuba teria sido ouvido pela Polícia Federal, em Brasília.
Em nota, na ocasião a PF informou que não se manifesta sobre eventuais tomadas de depoimentos ou investigações em andamento.