Por José Márcio Mantello
Se alguém, hoje, lhe desse a oportunidade de escolher onde você gostaria de ir, de passear, que local seria esse? Imagino que viriam muitos lugares em sua mente, obviamente, lugares com uma paisagem deslumbrante, com aromas e sabores indescritíveis, onde você pudesse registrar belíssimas imagens, e claro, postar em suas redes sociais.
Porém, apostaria 100/1 de que dificilmente sua escolha seria para um lugar cheio de sofrimento, dores, gemidos, um local mau cheiroso, marcado pela desesperança daqueles que ali estão.
Imagine, esse lugar, não está tão longe de nós, poderia ser, a santa casa de misericórdia da cidade, um asilo para idosos, um abrigo embaixo do viaduto, um presídio, ou até mesmo, um amontoado de gente dentro de um boteco de esquina, ou um dos quartos escuros de nossa casa, cuja pessoa está ali há dias ou semanas. Enfim, as opções são vastas, porém, dificilmente uma delas faria parte da nossa lista de “passeio”.
Sempre digo, independente da sua crença, gosto dos relatos apresentados nos Evangelhos, ainda que encarados como meros fatos históricos ou até mesmo um conto. Aprecio o fato de que aquele que, então, era apontado como Deus encarnado (Jesus) tinha predileções, inclinações para visitar locais que, por vontade própria, quase ninguém escolheria para estar.
Num desses relatos, ele vai a um lugar chamado tanque de Betesda (Evangelho de S. João, cap.5) e lá se depara com todo esse cenário descrito acima. O relato menciona uma multidão que estava ali há anos, literalmente, à espera de um milagre, por conta de uma “lenda” que existia (de vez em quando um anjo agitava as águas e o primeiro, somente o primeiro, que conseguisse entrar naquelas águas, seria curado). Consegue imaginar o caos que se instalava e a enorme frustração dos que nunca conseguiam?
Não entrarei no mérito da narrativa, muito menos do elemento sobrenatural que possa ter ocorrido ali com aquele homem paralítico, o qual, aguardava uma oportunidade há 38 anos (uma vida inteira).
Vou apenas destacar alguns questionamentos suscitados dessa passagem, entre eles, o principal: Como anda nossa sensibilidade, nossa empatia em relação ao sofrimento alheio? Há quanto tempo não passo por um “tanque de Betesda”? E, se passo, o quanto daquilo que vejo e ouço, me comove?
Derramamos lágrimas diante de uma cena cinematográfica de nossa série preferida, mas, permanecemos extremamente indiferentes com o sofrimento existente entre nós e com os quais nos esbarramos todos os dias (por mais que tentamos desviar deles).
Se fôssemos mais atentos, ou melhor, mais sensíveis, veríamos que todos os dias nos deparamos com um local como aquele tanque, com gente paralisada pela depressão ou por algo peculiar que os acertou em cheio, amputada pelas perdas sofridas, corcunda pelo peso (talvez da culpa) que carregam há anos, cega por alguma ilusão; gente abandonada, esquecida, as quais, desistiram de si mesmas, a ponto que alguém tem que lhes perguntar: “Quer ser curado/ajudado?”
Gente que transformou suas esperanças num pano sobre o qual passam os dias deitados em cima, simplesmente conformados com a situação em que vivem.
Enfim, longe de propor que façamos aquelas “visitas de caridade”, cuja finalidade não é se colocar como instrumento de cura para outros, mas sim, aliviar nossa própria consciência, afinal “cumpri com minha obrigação religiosa”. Pior ainda, seria “demonstrar essa empatia” somente para aqueles que se encaixam na minha ideologia (extremo da hipocrisia).
Na verdade, a proposta é refletirmos com que frequência, nós, espontânea e DELIBERADAMENTE optamos por circular entre os que sofrem? Até que ponto somos sensíveis o suficiente para estendermos a mão ou proferir uma palavra de esperança para aqueles que nenhuma perspectiva têm?
Lembre-se: o tanque de Betesda (e seus residentes) pode estar mais próximo de nós do que imaginamos. Basta um mínimo de sensibilidade e boa vontade!
José Márcio Mantello é advogado criminalista na comarca de Araçatuba e Teólogo
Graduado em Direito pela UNITOLEDO; Pós-Graduação em Docência do Ensino Técnico e Superior pela UNITOLEDO; Pós-Graduação em Prática Penal Avançada pelo DAMÁSIO EDUCACIONAL; Especialização em Execução Penal pelo IDPB – Rio de Janeiro
Atuação no Tribunal do Júri
** Este texto é de responsabilidade do autor e não reflete, necessariamente, a opinião deste veículo de comunicação