Por Leonardo Namba Fadil
No dia 25 de março de 1892, Domingos Eleodoro Pereira arrancou um crucifixo que se encontrava na sala do Tribunal do Júri da cidade do Rio de Janeiro, sob a alegação de que a presença daquele objeto violava a laicidade do Estado e impunha uma religião aos brasileiros. O Intendente Municipal (função análoga à de Prefeito) da época achou melhor retirar o crucifixo e devolvê-lo à Igreja Católica. Em 1906, no entanto, o crucifixo voltou ao seu lugar pelas mãos do Cardeal Joaquim Arcoverde.
Na ocasião, Raimundo Teixeira Mendes, aquele que ajudou a fazer a nossa bandeira nacional, demonstrou o seu descontentamento. Ele acreditava que se tratava de mais uma medida desesperada dos católicos para impor seus dogmas por meio do poder do Estado, diante de uma crescente decadência dessa religião. Lembro que Teixeira Mendes era um filósofo positivista, defensor da ideia de que o estágio teológico deveria ser superado por um estágio superior em que predomina a ciência e a racionalidade. A adaptação do lema positivista até está, inclusive, estampada na nossa bandeira: "ordem e progresso" (só por curiosidade, em comparação com o lema de Augusto Comte, foi retirada a menção ao "amor").
Mais de cem anos depois do incidente do Tribunal do Júri, no dia 27 de novembro de 2024, o Supremo Tribunal Federal decidiu, de forma unânime, pela constitucionalidade da manutenção dos símbolos em prédios públicos. A decisão teve como principal fundamento o fato de que o cristianismo faz parte da história e da cultura do Brasil e de que esses objetos não impõem concepções filosóficas e religiosas aos cidadãos.
A consideração mais interessante no caso foi aquela feita pelo ministro Edson Fachin ao destacar a necessidade de se afirmar os direitos das minorias religiosas, inclusive por meio de uma esfera pública receptível a todos os credos e crenças. Isso é especialmente relevante em uma sociedade que tenta esconder ou apagar as contribuições culturais dos povos originários e africanos, as quais estão intrinsecamente ligadas à religião deles. As confissões que não são judaico-cristãs acabam sendo classificadas não como religiões, mas como subcategorias, muitas vezes consideradas de caráter inferior, seja como filosofia de vida, folclore, superstição ou macumba.
A conjuntura social hoje é muito diferente daquela do início do século XX. Se naquela época o debate ocorria entre positivistas, racionalistas e iluministas contra os católicos, na ânsia de uma sociedade ideal baseada na racionalidade, hoje já há várias vozes que destacam a importância das crenças e tradições na formação moral do povo. Talvez o que precisamos hoje não seja de um Domingos que retire crucifixos de prédios públicos, mas um que tenha a coragem de colocar mais símbolos lá.
* Leonardo Namba Fadil é procurador do município de Araçatuba, especialista em Direito Constitucional e pós-graduando em religião, cultura e vida contemporânea. É também professor de filosofia e sociologia na Rede Emancipa.
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