Opinião

Semelhança nas urnas, diferença no poder

"O eleitor, muitas vezes, se apega à imagem que quer enxergar, ignorando sinais de incoerência ou oportunismo"
Da Redação
15/04/2025 às 15h46
Foto: Reprodução Foto: Reprodução

Por Jonathas Magalhães

 

Em tempos de redes sociais e comunicação instantânea, o eleitor enfrenta um desafio crescente: distinguir entre a imagem pública de um político e suas verdadeiras convicções. Tornou-se comum – e preocupante – a prática de líderes que “pegam carona” na popularidade de outros para conquistar votos, mas governam de maneira completamente distinta. Essa estratégia, cada vez mais presente no marketing político brasileiro, escancara a tensão entre aparência e essência no jogo democrático.

 

Um dos exemplos mais emblemáticos desse fenômeno foi protagonizado por João Doria, que cunhou o termo “BolsoDoria” durante a campanha ao governo de São Paulo. Ao se associar à imagem de Jair Bolsonaro, Doria atraiu o eleitorado conservador e garantiu sua vitória nas urnas. No entanto, uma vez eleito, tratou de se afastar do ex-presidente, adotando um discurso mais técnico e institucional. 

 

Já Tarcísio de Freitas optou por caminho diferente: mantém-se publicamente ligado a Bolsonaro, mas nos bastidores do Palácio dos Bandeirantes adota postura mais pragmática, preservando o diálogo institucional e evitando confrontos desnecessários. Para especialistas em comunicação política, trata-se de um caso clássico de uso da marca para vencer eleições, mas com outra lógica de governo.

 

O Brasil de 2022 também revelou uma verdadeira dança das cadeiras ideológicas. Ciro Nogueira, que em 2018 declarou “fico com Lula até o fim”, tornou-se depois ministro de Bolsonaro. Valdemar da Costa Neto, que ajudou a eleger Lula em 2002, passou a comandar o partido que abrigou Bolsonaro duas décadas mais tarde. Pastor Silas Malafaia, um dos mais fervorosos defensores do bolsonarismo, também já declarou ter apoiado Lula nos pleitos de 2002 e 2006. O próprio Bolsonaro, aliás, admitiu ter votado em Lula em eleições passadas. São mudanças que revelam a fluidez – ou incoerência – de muitas trajetórias políticas.

 

Mas esse fenômeno não é exclusividade brasileira. Na França, Emmanuel Macron saiu de um governo socialista para implementar reformas liberais que provocaram grandes protestos. No Canadá, Justin Trudeau construiu sua carreira sob a sombra do pai, Pierre Trudeau, mas adotou caminhos próprios em temas sensíveis. O uso estratégico de legados políticos e imagens públicas é global – e ganha força na era digital.

 

Nesse novo cenário, a autenticidade deveria ser a moeda mais valiosa da política. No entanto, o que se observa é o oposto: estratégias cada vez mais sofisticadas para “vender” políticos como se fossem produtos. O eleitor, muitas vezes, se apega à imagem que quer enxergar, ignorando sinais de incoerência ou oportunismo. Pesquisas em psicologia e neurociência ajudam a explicar: o cérebro humano tende a formar associações emocionais rápidas, o que dificulta a análise racional dos fatos.

 

Essa realidade impõe um dilema à democracia. Se um consumidor pode simplesmente parar de comprar um tênis ao descobrir que a marca utiliza trabalho escravo, o que faz o eleitor ao se decepcionar com o deputado que ajudou a eleger? Diferente do produto, o mandato tem prazo de validade, e muitas vezes o eleitor é forçado a conviver com sua escolha até esquecer o que motivou seu voto – ou cair novamente na mesma armadilha.

 

Em uma sociedade cada vez mais conectada, em busca de relações autênticas em todas as esferas da vida, a política não pode continuar sendo a exceção. Não se trata de escolher um perfume ou uma roupa, mas alguém que tomará decisões sobre o futuro coletivo. É necessário saber quem são essas pessoas de fato, qual sua história, quais valores sustentam seus discursos.

 

A resposta para o comportamento camaleônico de muitos políticos costuma ser atribuída à “memória curta do eleitor”. No entanto, especialistas em comportamento eleitoral alertam: essa tática tem prazo de validade cada vez menor. Com o crescimento das redes sociais e o fácil acesso à informação, inconsistências ficam mais visíveis. Campanhas baseadas apenas em marketing podem até vencer eleições, mas dificilmente sustentam trajetórias duradouras.

 

Diante disso, o papel do eleitor consciente é decisivo. É preciso pesquisar o histórico dos candidatos, comparar promessas com práticas, avaliar a coerência entre discurso e ação, e buscar fontes de informação diversas. Só assim será possível furar o véu das aparências e fazer escolhas mais informadas.

 

No fim das contas, a linha que separa uma estratégia legítima de comunicação de uma manipulação ética pode ser perigosamente tênue. A autenticidade na política não é apenas uma virtude: é uma exigência para a sobrevivência da democracia na era digital.


Jonathas Magalhães especialista em marketing político

 

** Este texto é de responsabilidade do autor e não reflete, necessariamente, a opinião deste veículo de comunicação.

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