Opinião

O ópio do Carnaval

"Gente que não tem sequer mais perspectivas, nem expectativas de uma vida melhor, é vista nas ruas, pulando, saltando, gritando como se não houvesse o amanhã"
Da Redação
28/02/2025 às 15h23
Foto: Divulgação Foto: Divulgação

José Márcio Mantello

 

Para a alegria de uns e tristeza de outros, o carnaval chegou!

 

Longe de criticar a festa mais popular desse país e muito menos de lançar juízos de valores (morais ou religiosos), quero aqui apenas expressar o que sempre me assustou nesse período: o efeito narcótico e hipnótico que o carnaval causa na grande maioria dos seus adeptos.

 

Estranhamente por cinco dias (oficiais) fora os pré e pós, um povo sofrido, explorado, pagador de uma das maiores cargas tributárias existentes no mundo, que não recebe de volta em forma de um serviço público eficaz e funcional, muito menos em educação de alto nível, menos ainda num serviço de saúde minimamente digno, nem em segurança pública, etc. Porém, como num êxtase, num estalar de dedos, esse povo expressa (das mais variadas formas) uma ‘alegria’ inexplicável.

 

Gente que não tem sequer mais perspectivas, nem expectativas de uma vida melhor, é vista nas ruas, pulando, saltando, gritando como se não houvesse o amanhã.

 

Inexplicavelmente, pessoas que, literalmente, não tem nem o básico para viver ou sobreviver, vestem suas fantasias, abadás ou mesmo sem qualquer adereço, se deixam levar em meio a uma multidão que, possivelmente, se indagadas, não saberiam responder o ‘porquê’ de tanta alegria.

 

Se algum alienígena chegasse nesses dias, certamente concluiria estar diante do povo com as maiores razões para ser feliz. Mas, não! Essa euforia toda é efeito do ‘ópio carnavalesco’, que causa uma espécie de adormecimento, embrutecimento moral, perda do discernimento. Também pode ser encarado como um paliativo.

 

Novamente repito: não estou tecendo críticas à festa e muito menos a quem dela gosta. Minha modesta pretensão é trazer algumas reflexões sobre esses dias que fazem muitos saírem da rotina, porém, não deveriam se esquecer que a vida continua, logo após, com seus desafios e dissabores.

 

O carnaval pode ser um lembrete de que a diversão é importante, mas o equilíbrio é essencial. O carnaval é um tempo que se pode falar de coisas sérias, brincando; mas, que não se perca a noção a ponto de brincarmos demais com coisas mais sérias ainda.

 

O carnaval é efêmero, mas suas sequelas podem durar para sempre.

 

Mais uma vez lembramos que, uma das principais propriedades do ópio, é o poder de ‘anestesiar contra a dor da realidade’. Portanto, não exagere na dose.

 

Por fim, sabemos que o carnaval não teve origem brasileira, mas foi aqui, que ele alçou voos bem mais altos. Aliás, passamos a ser conhecidos como o pais do carnaval.

 

Claro que esse predicado está ligado à festa propriamente dita, porém, eu diria que esse título vale para todo o restante do ano, pois, o efeito do ‘ópio carnavalesco’, é duradouro e permanece, principalmente o do adormecimento e a capacidade de nos tirar da realidade.

 

Afinal, a política é uma farra, os escândalos cada vez mais apoteóticos, o ritmo abre alas para a injustiça e a normalizada impunidade. Políticos e determinadas castas do serviço público continuam sambando na avenida da corrupção e rindo na cara da sociedade. Enquanto isso, o bloco dos trabalhadores honestos precisa rebolar mais do que as melhores passistas para darem conta de pagar tantos tributos, afinal, o ‘rei momo’ é um glutão insaciável.

 

E assim, como no final da festa a cadência do samba vai diminuindo, no carnaval da vida, a de(cadência) de um pais depauperado, vai ditando o ritmo. A harmonia quase já não existe e no quesito evolução, o destaque vai para o sofrimento desse mesmo povo que só aumenta.

 

Não sei como você irá aproveitar (curtir) esse carnaval, mas seja como for, não consuma seu ópio. Dê uma pausa na rotina, mas não se desconecte da realidade. Dizem os especialistas que ele (o ópio) tem um cheiro característico, que é desagradável e possui sabor amargo. Portanto, não exagere! Afinal, a quarta-feira de ‘CINZAS’ também logo chegará.

 

*José Márcio Mantello é advogado criminalista na comarca de Araçatuba e Teólogo

Graduado em Direito pela UNITOLEDO; Pós-Graduação em Docência do Ensino Técnico e Superior pela UNITOLEDO; Pós-Graduação em Prática Penal Avançada pelo DAMÁSIO EDUCACIONAL; Especialização em Execução Penal pelo IDPB – Rio de Janeiro

Atuação no Tribunal do Júri

 

** Este texto é de responsabilidade do autor e não reflete, necessariamente, a opinião deste veículo de comunicação

Entre no grupo do Whatsapp
Logo Trio Copyright © 2025 Trio Agência de Notícias. Todos os direitos reservados.