Opinião

O direito à entrega da mulher mãe

"Quando nós, mulheres, decidimos pela maternidade, seja ela planejada ou não, vamos aos poucos acolhendo a ideia de maternar, e isso exigirá de nós uma entrega"
Da Redação
10/03/2025 às 15h31
Foto: Divulgação Foto: Divulgação

Por Graciela Franco

 

O mês de março é conhecido como o mês da Mulher, devido ao dia 8, no qual é comemorado o Dia Internacional da Luta das Mulheres; mas, além dele, no dia 21, é comemorado o Dia Internacional da Infância. Devido a isso, vou me atrever a juntar as temáticas neste pequeno emaranhado de palavras, tratando de um tema complexo e recheado de tabus: o direito a entrega da mulher mãe ao seu maternar e o direito de entrega de seu filho pela mulher mãe.

 

Quando nós, mulheres, decidimos pela maternidade, seja ela planejada ou não, vamos aos poucos acolhendo a ideia de maternar, e isso exigirá de nós uma entrega. Nosso corpo passa a ser morada de um novo serzinho, que, por cerca de 9 meses dependerá dele para sobreviver e se desenvolver. Mesmo depois de nascer, continuará a precisar de nós, do nosso corpo para crescer, para se alimentar e para construir segurança e vínculo. Somos animais mamíferos e que vamos construindo, aos poucos, a nossa autonomia em relação aos cuidados de outras pessoas.

 

Todo esse processo requer entrega. Requer que essa mulher, antes sozinha e dona de seu corpo, se entregue a gestar, se entregue a amamentar e aos cuidados a este novo ser: o/a seu filho/a. Não existe maternidade sem entrega, a criança pressupõe isso. 

 

Quando escolhemos ser mãe, desejamos também nos entregar; o que as vezes nos falta é condição para isso. Aqui me refiro à necessidade de voltar a trabalhar, de cuidar de todas as questões relativas à nossa vida e à vida da criança, muitas vezes sozinha, dada à realidade de milhares de mães solo que existem no Brasil. Mulheres que não tiveram esse direito de escolha em seu maternar e não contam com o genitor fazendo a parte dele.

 

Falo da licença maternidade de 4 meses, ou de uma maioria autônoma, que, se não trabalha, não come, não sustenta sua prole; do não incentivo à amamentação, da ausência de políticas públicas que de fato se atentem à necessidade da maternidade e do desenvolvimento da criança em seus primeiros anos.

 

Diante desse cenário, a entrega, pressuposto do maternar, não se dá sem desafios, cansaço e sobrecarga, não pela maternidade ou melhor pela existência e necessidades do filho em si, mas por tudo aquilo que não lhe permite esse maternar. Talvez, por isso, penso que entregar-se, exigir o direito à entrega, seja revolucionário.

 

Mas falar de entrega como um direito da mulher mãe é também falar de um ato que rompe os padrões socialmente construídos sobre a maternidade, principalmente àquele de que naturalmente somos mães, que o tal instinto materno vem com XX que determina nossa biologia. Aqui me refiro a uma entrega que humaniza essa mulher, que a retira da redoma do endeusamento da maternidade e a coloca como humana: o direito da mulher a decidir pela entrega do filho que está gestando.

 

Como assistente social já vi alguns casos de mulheres que por motivos diferentes, decidem por essa entrega voluntária de seu filho/a à adoção, ou seja, para ser filho/a de outrem. Sobre isso, antes de tudo, é importante deixar claro que se trata de um direito da mulher, reconhecido legalmente e que isso é um ato que atravessa nossa história enquanto sociedade. ‘Desde que o mundo é mundo, mulheres entregam seus filhos’ pelas mais variadas razões.

 

Creio que todos conhecemos a história de alguém que teve um filho de criação, que foi deixado aos cuidados de tal família desde seu nascimento e que tem ou não o sobrenome da família que o criou. Aparentemente, esta prática histórica nunca causou grande incômodo, principalmente quando ela ainda não era reconhecida como um direito da mulher.

 

Digo isso, pois, quando se fala abertamente na entrega da criança deste ponto de vista, ou seja, como decisão da mulher de não ser mãe, isso gera certa contrariedade, como se fosse algo errado, quase imoral. E isso, essa contrariedade, esse tabu em torno da questão, é um problema, legal e, me atrevo a dizer, moral.

 

Reconhecer o direito à entrega voluntária e possibilitar a essa mulher o acolhimento necessário neste momento, seja para que as questões que envolvem essa decisão sejam amenizadas ou mesmo para que ela se dê de maneira amadurecida, é também, e principalmente, garantir à criança que foi gerada o direito de conviver em família, a ser amada e protegida, o direito ao pertencimento. Garante que esse processo se dê de forma legal, acompanhada pelos serviços públicos de atenção à criança e à família e pela Justiça.

 

Por tudo isso, tenho para mim que, de fato, a entrega como direito da mulher, seja ela à maternar ou a que se refere à decisão de não ser mãe, é de fato revolucionária, pois requer mudança de postura, de valores, uma revisitação à nossa moral e requer também que o Estado se organize, via política pública, colocando o direito da criança e de sua mãe em primeiro lugar.


Graciela Franco

Mulher, Mãe, Assistente Social Pedagoga e Educadora Parental

Aquela que se entrega

@gracielafranco_mater

 

** Este texto é de responsabilidade do autor e não reflete, necessariamente, a opinião deste veículo de comunicação

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