*Por José Marcio Mantello
Nessa 2ª parte tratando sobre a nova Lei do Feminicídio, vamos começar a abordar as mudanças trazidas pela Lei 14.994/24 que tem impacto direto no Código Penal, na Lei de Execução Penal, na Lei dos Crimes Hediondos e, em outras normas fundamentais no combate à violência contra a mulher. Vamos analisar como essas mudanças afetam diretamente a prática do direito penal e a aplicação da justiça.
Alterações no Código Penal
Artigo 121 – A: Crime de Feminicídio
A principal inovação da Lei nº 14.994, de 2024, foi a inclusão do feminicídio como crime independente no Código Penal, no recém-criado artigo 121-A.
Antes, o feminicídio era tratado como uma qualificadora do homicídio, o que dificultava a distinção clara entre os diferentes tipos de homicídios qualificados. Agora, com sua categorização como crime independente, o feminicídio passa a ser tratado com mais rigor. A pena prevista para o feminicídio foi agravada, variando de 20 a 40 anos de reclusão , com causas de aumento de pena em situações específicas.
Assim como o homicídio, o feminicídio admite a tentativa, o que significa que o agente pode ser punido mesmo que não consiga consumar o crime. O momento consumativo ocorre com a morte da vítima, sendo o bem jurídico a vida, tal como no homicídio. Entretanto, o feminicídio possui uma circunstância essencial: a motivação baseada em menosprezo ou discriminação em razão do gênero feminino .
Isso traz uma especificidade à proteção jurídica da vida no contexto da violência de gênero, diferenciando-o do homicídio comum.
Além disso, o feminicídio pode ser ocorrer em concurso formal de crimes, como no caso em que o agente sabe que a vítima está grávida e, ao matá-la, acaba por praticar também o crime de aborto . Nesse contexto, os crimes se configuram em concurso formal, uma vez que a ação do agente resulta em dois crimes distintos: o feminicídio e o aborto.
Isso ocorre quando o agente, ao atentar contra a vida da mulher, também termina por interromper a vida do feto, respondendo pelos dois crimes, mesmo tendo praticado uma única conduta.
Quanto ao elemento subjetivo, o feminicídio exige o dolo, ou seja, a intenção de matar a mulher por razões da condição de sexo feminino. Não há previsão de feminicídio na modalidade culposa, o que significa que o agente deve agir de forma intencional ou com dolo eventual, aceitando o risco de produzir o resultado morte.
No que se refere ao concurso de pessoas, o feminicídio admite a coautoria ou participação, ou seja, mais de uma pessoa pode ser responsabilizada penalmente pelo crime. Se comprovada a participação de terceiros, como instigadores ou coautores, todos os envolvidos podem ser responsabilizados, ainda que a execução do ato tenha sido realizada por apenas um agente . A responsabilidade se estende, por exemplo, a quem ajuda na execução do crime ou a quem instiga o autor principal.
Causas de Aumento de Pena
A nova legislação também prevê causas de aumento de pena para o feminicídio, o que eleva a gravidade da conduta em determinadas circunstâncias. Essas causas de aumento podem agravar a pena de um terço até metade, dependendo do caso. As principais causas são:
1. Durante a gestação ou nos três meses posteriores ao parto.
Se o feminicídio for praticado durante a gravidez da vítima ou nos três meses após o parto, a pena será aumentada. Isso reflete a vulnerabilidade adicional da mulher nesses períodos, assim como a especial gravidade de atentar contra a vida de uma mulher em fase de gestação ou pós-parto.
2. Quando a vítima é mãe ou responsável por uma criança, adolescente ou pessoa com deficiência.
Nesses casos, o crime assume um caráter ainda mais grave, pois a morte da mulher pode gerar um impacto devastador sobre dependentes vulneráveis que ficam desamparados.
3. Se uma vítima é menor de 14 anos, maior de 60 anos, ou tiver deficiência ou doença degenerativa que acarrete vulnerabilidade física ou mental.
Nesses casos, a condição de vulnerabilidade da vítima, traz maior gravidade ao crime, uma vez que a capacidade de defesa dessas mulheres é menor.
4. Na presença física ou virtual de descendente ou ascendente da vítima.
Se o crime por praticado na presença de filhos, pais ou outros parentes próximos , a pena também será aumentada. Isso reflete o trauma adicional causado aos familiares que testemunharam o feminicídio.
5. Descumprimento de medidas protetivas de urgência.
Caso o crime ocorra em desrespeito a uma medida protetiva, como aquelas previstas na Lei Maria da Penha, a pena é agravada. O descumprimento das ordens judiciais de proteção evidencia uma maior periculosidade do agente e uma violação direta da determinação de afastamento ou proteção da vítima.
Além das causas de aumento de pena já mencionadas, também se aplica ao feminicídio as causas de aumento de pena previstas nos incisos III, IV e VIII do § 2º do art. 121 do Código Penal . Isso inclui:
III: - com emprego de veneno, fogo, explosivo, asfixia, tortura ou outro meio insidioso ou cruel, ou de que possa resultar perigo comum;
IV: - à traição, de emboscada, ou mediante dissimulação ou outro recurso que dificulte ou torne impossível a defesa do ofendido;
VIII: - com emprego de arma de fogo de uso restrito ou proibido .
Essas causas de aumento refletem a maior gravidade de certas situações que cercam o feminicídio, agravando a punição do agente quando o crime é praticado com esses elementos adicionais.
Competência para Julgamento
Quanto à competência para julgamento, o feminicídio, por se tratar de crime doloso contra a vida, segue a mesma regra do homicídio e deve ser julgado pelo Tribunal do Júri.
A competência do júri popular para decidir sobre os crimes dolosos contra a vida está prevista na Constituição Federal, e, com a tipificação autônoma do feminicídio, o julgamento segue o rito do Tribunal do Júri, com a participação de jurados populares. Isso reforça a gravidade do crime e a necessidade de julgamento colegiado pelos representantes da sociedade.
*José Márcio Mantello é advogado criminalista na comarca de Araçatuba e Teólogo
Graduado em Direito pela UNITOLEDO; Pós-Graduação em Docência do Ensino Técnico e Superior pela UNITOLEDO; Pós-Graduação em Prática Penal Avançada pelo DAMÁSIO EDUCACIONAL; Especialização em Execução Penal pelo IDPB – Rio de Janeiro
Atuação no Tribunal do Júri
** Este texto é de responsabilidade do autor e não reflete, necessariamente, a opinião deste veículo de comunicação