Por Gláucia Colebrusco
E lá se vão 18 anos desde o dia que você nasceu, deixando o mês de agosto todo lilás, roxo. Sua chegada foi tão aguardada e celebrada que só aqueles que estavam à sua espera sabem dizer o quão ansiosas estávamos.
A maioridade remete à ilusão de que agora você vai ser responsável e não precisa que mais ninguém cuide de você, será "maior"e capaz de gerir sua vida sozinha.
Sinto-me nostálgica e por isso, vou relembrar um pouco sobre você.
Até o seu nascimento a vida era meio difícil. Acho que ainda continua um pouco dura, mas vejo que melhorou em alguns aspectos.
A credibilidade daquilo que vivenciávamos era visto como nosso dever. Um dever pautado por aqueles que ditam as regras. Deixando muitas de nós pelo caminho, sem fôlego, sem vida, sem terem a dor reconhecida. Precisavámos engolir seco a frase da nossa mãe, amiga, tia, da vizinha, da sociedade: é assim mesmo!
Atualmente, nomeamos nossos incômodos de outra forma porque conseguimos ver uma ação criminosa nesses atos. Não é assim mesmo e não tem que ser.
Volto ao dia que nasceu, eu mesma achei que seu surgimento seria revolucionário. E foi! Preciso confessar. Contudo, tive a esperança que, ao ter maioridade, ninguém mais precisaria cuidar de você, que iria andar sozinha sem que precisássemos chamar a atenção da sua presença.
A vida está diferente, você é a mais conhecida de toda legislação, é bem respeitada. Não deve ser fácil ter tamanha responsabilidade. Que orgulho! Ainda tem muita coisa para dar a capacidade e independência de que tanto precisa. Porém, pode contar comigo e com muitas que falam de você, por você e com você.
Se você chegou até aqui e não lembra o nome da aniversariante, não se preocupe, estou aqui para lhe ajudar. Feliz Aniversário, Lei Maria da Penha, a lei 11.340/06!
Você tornou-se a lei mais conhecida do país, não a mais aplicada. No mundo, sua relevância está entre as três melhores legislações de proteção à mulher, porém, no ano passado batemos recorde de feminicídio, segundo os dados do 18º Anuário Brasileiro de Segurança Pública.
O feminicídio é a ponta do iceberg, da montanha. Antes de chegar a esse pico, temos diversas medidas de proteção, que estão no corpo da lei. Todos seus artigos contemplam alguma proteção às nossas vidas. Contudo, ainda enfrentamos obstáculos, lentidão e burocracia. Sem contar a “tradição” machista social que acredita que mulher não é sujeito de direitos e, assim, pode ser objeto de manipulação, controle e agressão.
Nossa segurança e viabilidade de vida depende de você. Por isso, no fundo, desejamos que você caia em desuso, pois, no dia em que isso acontecer, teremos certeza que a equidade entre mulheres e homens existe e que não haverá mais violência doméstica. Não teremos mais violência de gênero!
Gláucia Colebrusco.
Advogada e consultora jurídica, especialista em processo civil e direitos humanos. Familiarista, feminista e atuante contra violência doméstica e de gênero. Sócia fundadora do CCC advogadas. Coordenadora do projeto Maria, Marias (educação popular em direitos da União de Mulheres em parceria com o IBCCRIM). Diretora da ABMCJ.SP e militante no terceiro setor.
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