Justiça & Cidadania

Ex-deputado Roque Barbiere é condenado por atirar em vendedor de cachorro-quente

Crime aconteceu há quase 30 anos e foi julgado após ele perder o mandato; Roquinho socorria vigia que alegou que havia sido vítima de roubo, mas dinheiro havia sido pego por adolescente após programa sexual
Lázaro Jr.
29/12/2024 às 14h04
Roquinho foi condenado por lesão corporal grave (Foto: Divulgação) Roquinho foi condenado por lesão corporal grave (Foto: Divulgação)

A Justiça de Birigui (SP) condenou o ex-deputado Roque Barbiere, 72 anos, a 1 ano de reclusão no regime inicial aberto, por ter atirado com uma pistola contra um vendedor de cachorro-quente, crime ocorrido em maio de 1995, em Birigui.

 

Na ocasião, ele socorria um vigilante que alegou que havia sido vítima de roubo, que depois foi constatado que não existiu. Roquinho alegou legítima defesa dele e de terceiro.

 

A tramitação do processo permaneceu suspensa até 2023, quando Roquinho concluiu o último mandato como deputado estadual, já que estava no primeiro mandato na época dos fatos, obtendo assim, a imunidade parlamentar.

 

Na decisão, de 18 de dezembro, a juíza da 1ª Vara Criminal, Moema Moreira Ponce Lacerda, suspendeu a execução da pena privativa de liberdade pelo prazo de 2 anos. Porém, no primeiro ano do período de suspensão, Roquinho deverá prestar serviços à comunidade, em entidades a serem escolhidas pelo juízo da execução penal.

 

Se ele considerar ser mais benéfico o cumprimento no regime aberto, poderá optar em sede de Execução Penal. Além disso, foi concedido ao réu o direito de recorrer em liberdade.

 

Falso roubo

 

Segundo a denúncia, o vigia noturno do quarteirão nas proximidades do Auto Posto Barão costumava manter relações sexuais com uma adolescente, em um imóvel nesse mesmo quarteirão, mas não estaria pagando pelos programas sexuais, que custavam R$ 20,00.

 

Para se vingar, na madrugada de 30 de maio de 1995, a menina marcou um encontro no local e pegou a carteira do vigia, enquanto o abraçava, e se apropriou de R$ 36,00 em dinheiro. Após o ato sexual a adolescente disse que estava cansada, não queria receber pelo “programa” daquela noite, mas levou o dinheiro, sem que o vigia percebesse.

 

Falso roubo

 

Ao descobrir que a menina havia pego o dinheiro, o vigia passou a gritar por socorro, alegando que havia sido vítima de um roubo praticado por dois homens e uma mulher. Na versão dele, o crime teria sido cometido enquanto fazia uso de um banheiro de um imóvel de fundos, na rua Barão do Rio Branco.

 

Disse ainda que teria recebido uma gravata de um dos autores e dominado pelo segundo assaltante, que teria mandado a mulher pegar o dinheiro. Ao tentar reagir, ele teria recebido golpes na nuca com o próprio canivete, vindo a sofrer um ferimento no dedo indicador esquerdo e no polegar direito.

 

Tiros

 

Ainda de acordo com a denúncia, ao ouvir os gritos de socorro, Roquinho, que morava nas imediações, armou-se com uma das seis armas de fogo que possuía e, após ouvir a versão do vigia, o colocou no carro e saíram em diligências.

 

Eles encontraram a adolescente com dois homens de bicicleta, trafegando pela rua dos Fundadores, próximo ao cruzamento com a rua Vinte e Um de Abril. Ela havia pego carona com eles, sendo que a vítima retornava para casa após encerrar o trabalho como vendedor de cachorro-quente.

 

Ao se aproximar, Roquinho sacou a arma e fez dois disparos, um para o alto e o outro para o chão. O homem que trazia a adolescente no cano da bicicleta parou, mas o outro seguiu pedalando. O ex-deputado e o vigia detiveram a adolescente, que conseguiu se livrar e saiu correndo.

 

Os dois entraram no carro novamente e foram atrás do homem que havia seguido de bicicleta. Ao alcançá-lo, eles deram ordem de parada, mas a vítima estava com medo e continuou pedalando. Diante disso, Roquinho fez dois disparos na direção da vítima, que foi atingida por um deles na perna esquerda.

 

Não foi reconhecido

 

O ex-deputado e o vigia revistaram o homem, que caiu da bicicleta após ser ferido, mas não encontraram nada com ele, que negou qualquer envolvimento com o roubo do dinheiro do vigia de quarteirão.

 

Consta ainda na denúncia, que na delegacia o vigia disse aos policiais que atenderam a ocorrência, que não reconheceu a vítima como sendo um dos autores do suposto roubo, pois ele estaria com botinas, enquanto o suposto ladrão estaria de chinelos. Posteriormente, durante a investigação, foi comprovado que o roubo não aconteceu.

 

Suspensão do processo

 

Ao ser notificada sobre o processo, a defesa de Roquinho alegou que seria necessária licença da Alesp (Assembleia Legislativa do Estado) para ele ser processado, devido ao cargo de deputado estadual.

 

A denúncia foi recebida em 11 de dezembro de 2002, quando a defesa alegou que o ex-deputado não teria praticado o crime e requereu que o TJ-SP (Tribunal de Justiça de São Paulo) encaminhasse cópia da sentença que julgou improcedente a ação de indenização por dano moral e material proposta pela vítima na Vara Cível.

 

Houve nova suspensão do andamento do processo pela Alesp e como Roquinho passou por sucessivas reeleições, ele só foi enviado para uma das Varas Criminais de Birigui em 2023, após ele perder o foro privilegiado.

 

Condenação

 

O Ministério Público representou pela procedência da ação, pedindo a condenação de Roquinho por lesão corporal grave. A defesa requereu a declaração de extinção da punibilidade pela prescrição e que o pedido fosse julgado improcedente, clamando pelo reconhecimento da legítima defesa putativa, própria e de terceiro.

 

Por fim, em caso de condenação, pediu a fixação da pena no mínimo legal, reconhecendo a atenuante da senilidade na segunda fase. Requereu, ainda, a fixação do regime aberto, com a substituição da pena privativa de liberdade por restritiva de direitos, e a concessão do direito de recorrer em liberdade.

 

Ao julgar o caso, a juíza considerou que no período em que o processo ficou suspenso pela Alesp, de 21 de agosto de 2003 até 31 de julho de 2023, a prescrição também ficou suspensa.

 

Roquinho deu duas versões para o crime

 

Ao ser ouvido sobre o caso, Roquinho deu duas versões sobre o crime, de acordo com a sentença. Em uma delas, ele alegou que enquanto seguia a vítima, conseguiu “pôr” o para-choque do carro na bicicleta, vindo a derrubá-la.

 

Ainda de acordo com ele, a vítima teria se levantado e colocado a mão na cintura, dizendo: "Não vem não, não vem não". Imaginando que o homem da bicicleta estivesse armado, fez os disparos, vindo a feri-lo em uma das pernas. Alegou ainda que atirou porque o vigia afirmava que a vítima seria um dos assaltantes.

 

Ele contou que socorreu o ciclista até à Santa Casa e depois retornou ao local do suposto assalto, onde a polícia teria encontrado a dentadura e a carteira do vigia, jogada no corredor, sem dinheiro. 

 

Por fim, alegou que o erro dele foi a sensibilidade que teve pelo guarda, idoso, pois acreditou que estava sangrando no pescoço. Disse que não se orgulha do que fez, mas se sentiu ameaçado, já que até aquele momento a vítima era um ladrão, que tinha esfaqueado a garganta do guarda, um “velho” trabalhador. 

 

Em juízo

 

Ao ser ouvido em juízo, Roquinho alegou que ao sair correndo com a bicicleta durante a tentativa de abordagem, a vítima teria dispensado algo “no mato”, sem saber dizer o que era, por isso atirou nas pernas dela.

 

Ele disse que errou por tentar fazer o papel da polícia, mas que se sentiu ameaçado e teria cometido tal atitude em situação de legítima defesa putativa.

 

Sentença

 

Ao proferir a sentença, a juíza levou em consideração que a versão apresentada pelo ex-deputado em juízo destoa da anterior. “Outrossim, é de se ressaltar que não se pode considerar que o réu estava em situação de excludente de legítima defesa putativa, pois imaginava que a vítima tivesse, tempos antes, assaltado o guarda”, consta na decisão.

 

Ela acrescenta: “Isso porque, para que se tenha a legítima defesa putativa, é imprescindível que o risco que repute existir seja atual ou iminente. No caso dos autos, porém, o suposto crime que vitimou o guarda já tinha acontecido e ele não mais se encontrava em risco, visto que os indivíduos não se encontravam nem mais na rua onde estavam. Portanto, inexistia uma situação atual ou iminente de risco”.

 

A magistrada considerou ainda que mesmo que houvesse algo nesse sentido, a reação do réu foi desproporcional, devendo responder pelo excesso. A reportagem ainda não conseguiu contato com Roquinho e nem com a defesa dele para comentarem sobre a sentença.

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