É urgente atuar contra os grupos que disseminam ódio nas redes sociais, avalia o professor da Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo (USP) Daniel Cara. “O Brasil precisa assumir que existem grupos de ódio que são articulados e que produzem conteúdos racistas, misóginos, lgbfóbicos. Todos esses discursos são mobilizados por uma aproximação com o extremismo neonazista e fascista”, alertou. O pesquisador é um dos 68 especialistas que compõem o grupo de trabalho criado em junho pelo Ministério da Educação para analisar o fenômeno dos ataques a escolas e propor políticas para enfrentar o problema.
O caso desta segunda-feira (23), que deixou uma aluna morta e três feridos na zona leste de São Paulo, é um exemplo, segundo o pesquisador, da influência desses grupos. “O menino era de fato ativo em uma comunidade de ódio”, enfatizou. Por isso, Cara defende que sejam adotadas medidas que regulem as redes sociais e coíbam a ação dessas redes que disseminam mensagens violentas. “É preciso ter uma atuação ainda mais presente, mais contundente junto às redes sociais, de fato exigindo uma regulamentação das plataformas”, defende.
A gestão democrática das escolas, com participação da comunidade escolar, é outra medida que o especialista aponta como necessária para reduzir a violência. “A capacidade de evitar conflitos na escola, como o conflito, é inerente à ação humana, a capacidade de conseguir resolver pacificamente conflitos, criar um bom clima escolar é fundamental”, avalia. Como base para essa análise, Cara diz que desde o início dos anos 2000 foram feitos 35 ataques no Brasil a escolas. Em apenas dois desses casos, segundo ele, os autores não faziam ou não fizeram parte da comunidade escolar atingida.
Entre os conflitos que levam à violência extrema, Cara destaca os relacionados a formação de identidade. “A formação da identidade que gera saúde mental, que gera tensões junto à família, que gera tensão junto aos colegas, somado a uma sociedade que está muito mais violenta, acaba gerando um clima em que a exclusão do outro passa a ser planejada”, diz.
A partir das experiências nos Estados Unidos, o pesquisador também defende que medidas como detectores de metais e câmeras de vigilância tendem a ser ineficazes para lidar com o problema. Na avaliação do pesquisador, algumas inclusive esbarram em questões práticas do dia a dia. “Imagina uma escola, com, por exemplo, 500 alunos, uma escola pequena para o padrão brasileiro, com detectores de metal, você não consegue dar conta do fluxo de entrada de estudantes”, exemplifica.
A pesquisadora da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) Cléo Garcia diz que não existem ações que possam resolver o problema no curto ou no médio prazo. Ela também defende que haja atenção aos discursos de ódio e ao bullying. “Não adianta falarmos de bullying apenas uma vez ao ano. Isso precisa ser algo debatido, inserido no currículo escolar, para que se possa conversar sobre a diversidade, sobre discursos de ódio, sobre racismo, todos os dias. Que os alunos possam ser pessoas que tenham um olhar crítico para isso”, enfatizou.
Falta ainda, na avaliação da pesquisadora, equipamentos e profissionais de saúde mental e assistência social que possam receber os encaminhamentos vindos das escolas. “Hoje se fala muito em colocar um psicólogo na escola. Mas um psicólogo não dá conta de 1.000 alunos, e também não é o papel dele tratar os alunos, clinicamente falando. O psicólogo teria que encaminhar, se houver algum problema de saúde mental. Mas, para quem ele vai encaminhar se não há uma rede proteção?”, destacou.
O presidente do Sindicato dos Professores do Ensino Oficial do Estado de São Paulo, Fábio de Moraes, acrescenta ainda que a rede estadual sofre com um processo de precarização e terceirizações, que complicam a situação. “Na época da gente, o inspetor de escola era concursado, sabia o nome de todo mundo da escola. Hoje, a maioria é terceirizado. As empresas terceirizadas não permitem o vínculo daquele trabalhador com aquela comunidade”, diz.
Após visitar a escola onde houve o ataque nesta segunda-feira (23), o governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas, disse que neste ano atuação conjunta das secretarias de Educação e Segurança Pública evitou 165 atentados a escolas. “Em algumas situações, a gente chegou a recorrer ao Judiciário para ter operação de busca e apreensão de armamento”, disse.
No entanto, após esse novo atentado, o governador diz que pretende rever as ações tomadas até o momento. “Rever tudo que a gente está fazendo para que a gente evite novas ocorrências. A gente não pode deixar que esse tipo de coisa aconteça, a escola tem que ser um local seguro, tem que ser um local de convivência. A gente tem que ter a habilidade de desenvolver nos alunos capacidade para enfrentar situações do dia a dia. A gente tem que combater o bullying. A gente tem que combater homofobia”, ressaltou.
Ao longo deste ano, o governo contratou 550 psicólogos para atuar nas 5,3 mil escolas do estado. Segundo Tarcísio, deve ser feito um aditivo a esse contrato para aumentar o número de profissionais disponíveis.