Cotidiano

Modinha para Gabriela

"Quando entendemos que ainda não somos o que podemos e devemos ser, isso trará a vontade e o compromisso de buscarmos uma existência significativa e que, no final, poderá ser muito gratificante"
Da Redação
28/08/2023 às 08h02

Inspirada na obra de Jorge Amado, a primeira versão da novela “Gabriela” foi ao ar no ano de 1975, cujo papel principal foi entregue à esplendorosa Sonia Braga. A trilha sonora principal foi “Modinha para Gabriela” , escrita por Dorival Caymmi, interpretada na linda voz de Gal Costa. Porém, muito mais do que uma música tema, a letra dela revela uma espécie de filosofia de vida muito prejudicial à jornada de qualquer ser humano, qual seja, a imobilidade ou a imutabilidade.

 

O refrão da melodia expressa isso:

Eu nasci assim

eu cresci assim e sou mesmo assim,

vou ser sempre assim Gabriela, sempre Gabriela

Esse mantra, quando vivenciado na prática, é extremamente danoso, praticamente para todas as áreas de nossa vida, seja na família, na profissão, na política, na religião, etc.

 

Mas, sempre encontraremos aqueles que se orgulham de dizer: Eu nasci assim e vou morrer assim. O que para alguns pode parecer uma vida de coerência e estabilidade, na verdade é, no mínimo, a acomodação ao status quo, a paralisia ante os desafios que a vida nos impõe com o propósito de nos tirar da nossa zona de conforto. A filosofia de Gabriela é adotada (consciente ou inconscientemente) por todos aqueles que tem o receio de passar pela mudança, o medo da dor da transformação e a covardia de não expor as áreas que necessitam de maturação.

 

Em sua obra literária intitulada “Não nascemos prontos”, o filósofo contemporâneo, Mário Sérgio Cortella, nos desafia a rejeitarmos esse “estilo de vida Gabrielano” , mostrando que devemos estar em constante aprendizado e crescimento e, por consequência, sempre em transformação. Para tanto, se faz necessário uma visão do mundo ao nosso redor e um olhar introspectivo para nós mesmos.

 

Outra necessidade para essa mudança contínua, é a insatisfação com nós mesmos; não a insatisfação do ter, mas do ser. Quando entendemos que ainda não somos o que podemos e devemos ser, isso trará a vontade e o compromisso de buscarmos uma existência significativa e que, no final, poderá ser muito gratificante.

 

Óbvio que não estamos fazendo apologia a uma vida volúvel (Maria vai com as outras), o que não deixa de ser igualmente um estilo de vida, tanto quanto, prejudicial. Na verdade, a rejeição à filosofia de vida de “Gabriela”, deveria ser algo natural. Afinal, viver é uma constante mudança (etária, física, mental, emocional).

 

Aproveitando o tema musical dessa reflexão, penso que a música “ metamorfose ambulante”, composta e interpretada por Raul Seixas, é justamente antagônica à modinha para Gabriela. A letra nos remete à ideia de quão maléfico é se acomodar e ficarmos agarrados apenas a uma ideologia, seja ela social, política, cultural ou em outra área qualquer. Estar aberto a diferentes ideias, pensamentos, visões de mundo, pode nos trazer uma benéfica evolução.

 

Ao longo da vida, não serão poucas as vezes que teremos que romper com padrões e conceitos pré-estabelecidos, chamados de “aquela velha opinião formada sobre tudo”. Não se feche para a possibilidade de mudar pensamentos, hábitos e atitudes.

 

Os gregos usavam o termo metamorphosis (metamorfose) para designar a transformação de alguma coisa em outra, ou ainda, para expressar a profunda e completa mudança no estado e caráter de uma pessoa.

 

Outro termo (também grego) utilizado era metanóia, cujo sentido etimológico literal seria mudar o próprio pensamento. Esse termo foi utilizado também pela teologia para explicar o processo de arrependimento e conversão do indivíduo, cujo resultado seria uma vida totalmente transformada.

 

Porém, muito mais que esses conceitos teóricos, o mais importante é a adoção do estilo de vida que nos é proposto todos os dias. Cada novo dia que recebemos, traz com ele a oportunidade de mudarmos (óbvio para melhor).

 

Todos nós até podemos ter nascido assim (cada um no seu contexto), mas, necessariamente não precisamos viver e morrer sempre assim.

 

Que sejamos uma metamorfose ambulante, e se necessário, ter a coragem de dizer agora o oposto do que dissemos antes; ter a liberdade de desdizer tudo aquilo que dissemos antes.

 

Não precisamos ter e nem vivermos com aquela velha opinião formada sobre tudo. Não faça da “modinha para Gabriela” a trilha sonora da sua vida.

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